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Startup usa tecnologia de reconhecimento facial para monitorar comportamentos humanos
Na edição de 2019 da maior feira de tecnologia de consumo do mundo – a Consumer Eletronics Show (CES), no início de janeiro em Las Vegas, nos Estados Unidos –, um dos destaques do estande da Intel foi um sistema de reconhecimento facial que traduz expressões em comandos para o movimento de cadeiras de rodas.
O sistema foi desenvolvido pela Hoobox Robotics com apoio do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE) da FAPESP.
A startup paulista foi selecionada, em 2018, para integrar um programa de aceleração da Intel, o AI for Social Good, que promove o desenvolvimento de soluções de impacto social baseadas em inteligência artificial, utilizando tecnologias de software e hardware da empresa americana.
A iniciativa da Intel permite aos participantes ter acesso a recursos de capacitação técnica e de marketing compartilhado e a oportunidade de participar nas rodadas do fundo de investimento da Intel – o Intel Capital – para acelerar o desenvolvimento de suas soluções tecnológicas.
Por meio do programa, os engenheiros e desenvolvedores da Hoobox têm trabalhado com a equipe técnica da Intel para otimizar o desempenho dos algoritmos do sistema de detecção e interpretação de expressões faciais utilizando hardwares e softwares da empresa.
“O acordo não é de exclusividade. Entendemos que os ganhos em uma parceria com uma empresa desse porte permitirá transformar o sistema de reconhecimento facial em soluções já otimizadas que possam ser produzidas em grande escala”, disse Paulo Gurgel Pinheiro, CEO da Hoobox, à Agência FAPESP.
O sistema desenvolvido pela empresa traduz expressões faciais em comandos para controlar uma cadeira de rodas, sem exigir sensores corporais. Hoje, a tecnologia permite reconhecer mais de 10 expressões, como o arquear das sobrancelhas ou piscar dos olhos. Também é capaz de prever quando o usuário vai tossir, espirrar ou bocejar, ou quando está conversando com alguém. Nessas situações, o reconhecimento das expressões é desabilitado para impedir um movimento não desejado da cadeira e evitar acidentes.
As expressões faciais dos usuários são capturadas por uma câmera e interpretadas por algoritmos executados em um minúsculo computador de bordo, acoplado na cadeira. Os algoritmos transformam as expressões em comandos de controle, como ir para frente ou para trás e girar para a esquerda ou para a direita.
Disponível em um kit, batizado de Wheelie 7, a solução leva apenas sete minutos para ser instalada em qualquer cadeira de rodas motorizada disponível no mercado, promete a empresa.
“O sistema é capaz de capturar informações de quase 100 pontos do rosto de uma pessoa, como o formato da boca, do nariz, dos lábios e a cavidade dos olhos, com alta precisão”, afirmou Pinheiro.
O Wheelie 7 é comercializado exclusivamente no mercado norte-americano, utilizando o modelo de assinatura. “Não cobramos o kit; o cliente paga US$ 300 por mês”, explica Pinheiro.
Atualmente, 60 pessoas nos Estados Unidos estão usando um protótipo do sistema. Entre esses primeiros usuários estão pessoas que sofreram traumas na coluna vertebral e ficaram tetraplégicas, pacientes com doenças neurodegenerativas, como a esclerose lateral amiotrófica (ELA), ou que sofreram acidente vascular cerebral (AVC), além de veteranos de guerra.
Há mais 300 em uma lista de espera que deverão receber o kit em abril e outras 500 que receberão o sistema em dezembro. Para utilizá-lo elas pagaram uma mensalidade adiantada de US$ 300.
“Essa foi uma forma que encontramos para subsidiar o custo do kit e, ao mesmo tempo, avaliar como é o uso dele no dia a dia dos usuários para melhorá-lo”, disse Pinheiro.
A empresa faz planos de trazer o produto para o Brasil, mas acredita que será necessário conceber outro modelo de comercialização, já que o de assinatura “parece não funcionar bem no país”.
Novas aplicações
A Hoobox iniciou, agora, uma segunda rodada de captação de investimentos, com a meta de arrecadar US$ 2,5 milhões até o final deste ano. Os recursos, segundo Pinheiro, permitirão finalizar o desenvolvimento, o design e testar novas oportunidades de aplicação para a tecnologia.
“Estamos conversando com alguns fundos de venture capital nos Estados Unidos, na China e no Brasil. Esperamos avançar nas negociações para obter novos investimentos e conseguir escalar a produção do sistema para 3 mil unidades até 2020”, afirmou Pinheiro.
Na primeira rodada de captação de recursos, iniciada em 2017, logo após encerrar a fase 1 do Programa PIPE da FAPESP – de teste de conceito da tecnologia –, a empresa foi incubada e recebeu investimentos da Sociedade Beneficente Israelita Albert Einstein.
A parceria com o Einstein possibilitou testar novas aplicações da tecnologia de reconhecimento de expressões faciais, como para a detecção de comportamentos humanos, como cansaço e sonolência, e até 10 níveis de dor, além de agitação, sedação e espasmos de pacientes em um ambiente hospitalar. A tecnologia será validada em monitoramento de pacientes em leitos de UTI no Hospital Albert Einstein.
“Por meio de uma câmera acoplada a um leito de UTI, nosso sistema é capaz de monitorar ininterruptamente até seis pacientes ao mesmo tempo e determinar o nível de dor deles, em uma escala de 1 a 10”, explicou Pinheiro.
“Queremos usar a tecnologia não só para detectar comportamentos, mas também para prevê-los, de forma a garantir o bem-estar dos pacientes e fornecer informações mais detalhadas sobre o seu quadro para a equipe médica”, disse.
O projeto está sendo desenvolvido pela empresa também em parceria com o laboratório de inovação da Johnson & Johnson no JLabs Houston, no Texas – que atua como uma das incubadoras da multinacional norte-americana voltadas a apoiar o desenvolvimento de projetos de startups em ciências da vida e para o qual a Hoobox foi selecionada para incubação por prazo indeterminado.
Os pesquisadores do laboratório de inovação da empresa americana também têm auxiliado a equipe da Hoobox a avançar nos quesitos de usabilidade, design e segurança do sistema de controle da cadeira de rodas por expressões faciais e no desenvolvimento de um projeto de uma babá eletrônica inteligente.
“A ideia é utilizar reconhecimento facial para detectar quando o bebê está acordado ou dormindo, durante à noite, por exemplo, e qual a posição do corpo dele no berço, se está deitado, sentado ou em pé”, disse Pinheiro.
Em parceria com outra startup americana, situada no Vale do Silício – cujo nome não pode ser revelado por questão de confidencialidade –, a Hoobox iniciará, em abril, um projeto em que pretende adaptar a tecnologia de detecção de comportamentos humanos para monitorar passageiros de carros autônomos.
O objetivo do projeto será usar a tecnologia para monitorar o estados de atenção e de cansaço de passageiros sentados no banco da frente de um carro autônomo para identificar se estão aptos ou não para assumir o controle do veículo em situações de emergência ou de risco.
“A startup da qual somos parceiros tem desenvolvido tecnologias para carros autônomos e necessitava de um sistema de reconhecimento facial com alta precisão para monitorar e detectar o comportamento de passageiros nesse tipo de veículo”, disse Pinheiro.
De acordo com ele, a tecnologia de reconhecimento facial da Hoobox funciona independentemente da condição de iluminação – se em um ambiente muito escuro ou muito claro – e da posição da cabeça da pessoa rastreada.
Ao contrário de uma tecnologia de reconhecimento facial largamente utilizada, chamada de frame the face – em que é preciso que a pessoa olhe diretamente em direção a uma câmera para ser reconhecida –, o sistema da Hoobox dispensa o enquadramento do rosto para fazer a identificação.
“Nosso sistema permite fazer o reconhecimento da pessoa mesmo se ela estiver de lado, em ângulo de até 60 graus, ou caminhando”, afirmou Pinheiro.
Essas características da tecnologia despertaram o interesse de empresas na China. Tanto que a Hoobox está abrindo uma filial na cidade de Suzhou para atender, principalmente, o segmento de segurança.
“Já temos clientes em Suzhou e outras cidades da China. Iremos implantar a tecnologia em projetos de segurança patrimonial e controle de acesso, e também um projeto-piloto de monitoramento de leitos de UTI”, disse Pinheiro.
Agência FAPESP