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Sociedade precisa debater adaptação a clima extremo

publicado: 16/05/2022 11h06, última modificação: 16/05/2022 11h08
Jean Pierre Ometto, pesquisador do Inpe, mostrou dados e fez alertas em live da SEC&T sobre mudanças climáticas
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A região do nordeste da América do Sul, onde naturalmente está incluído o Nordeste brasileiro, teve, de 2010 a 2019, em 64% de sua área, um mês a mais de seca em comparação ao período de 1950 a 1959. Na mesma relação, 38% da área teve três meses a mais de seca e 12% teve seis meses a mais sem chuva do que 60 anos antes. O dado foi trazido e comentado por Jean Pierre Henry Balbaud Ometto, pesquisador sênior do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que foi o convidado da quarta edição da série de lives A ConsCIÊNCIA pelo Conhecimento, promovida pelo Governo do Estado, através da Secretaria Executiva de Ciência e Tecnologia da Paraíba, e realizada na última quarta.

A conversa permanece disponível para ser assistida pelo canal no YouTube da Secretaria de Estado da Educação e da Ciência e Tecnologia (https://www.youtube.com/watch?v=JvfXPO192hA). O professor falou sobre os impactos ambientais das mudanças climáticas, sobretudo na região Nordeste. A palestra navegou pelos elementos que de, alguma forma, caracterizam esse momento presente em que vivemos: como o planeta chegou ao estágio atual, quais os elementos de impacto que já estão sendo observados. Além de resultados divulgados recentemente no trabalho de síntese global da ciências é conduzido pelo Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC).

“O sexto ciclo de sintese científica do IPCC se baseia em toda informação que foi produzida pela ciência nos últimos anos e ao longo dos relatórios já produzidos”, comentou. “A primeira parte do relatório trata da física do clima. Já identifica claramente que a mudança do clima está afetando extremos de tempo e de clima em todas as regiões do planeta. A gente tem extremos climáticos acontecendo aqui no Brasil, como está acontecendo no Canadá, na África, na Europa e por aí vai”.

Ele também apontou que a observação sobre esses eventos climáticos extremos aumentou nas últimas três ou quatro décadas. “É um avanço tecnológico muito importante porque a gente consegue fazer uma análise sobre o passado também. Em 6.500 anos a gente não viu mudanças climáticas tão rápidas quanto essas”, analisou. “A intensidade tem se alterado e vem se alterando por alguma razão. A influência humana na alteração está nos processos da sociedade: da produção, do desenvolvimento, da relação com o ambiente natural”.

Alguns efeitos já não são mais reversíveis

 

“Quem tem um pouco de experiência com biologia sabe que existe uma relação de processos biológicos e temperatura. Em níveis extremos e incrementais também. Esse aspecto é muito relevante”, apontou, chamando a atenção para os efeitos do aquecimento global. “E tem alguns casos em que os processos físicos naturais chegaram a um determinado ponto em que não são mais reversíveis”. Ele citou, como exemplo, o derretimento de uma camada de gelo no topo de uma montanha. Após o degelo ter acontecido, não há mais como revertê-lo. “Então, a gente precisa de medidas de adaptação em vários aspectos, em questões associadas a impactos propriamente ditos na sociedade”.

Os dados mostram que o aumento da temperatura do planeta vem de descolando das causas naturais há 50 ou 60 anos. “Esse descolamento é porque a gente aumentou as atividades econômicas do planeta e isso obviamente impacta a atmosfera”, explicou. “Então, a gente mudou a composição da atmosfera e, consequentemente, isso reflete no aumento da temperatura”.

A segunda parte do relatório do grupo 2 fala dos impactos nos sistemas naturais e sociais. “Vários desses sistemas estão sendo impactados num determinado nível a ponto de a gente precisar tomar uma atitude relativamente rápido”, alertou. “A gente pode citar migração da biodiversidade para regiões distintas. Ou, da sociedade, a gente já identifica processo migratório associado à falta de capacidade de produzir alimento, por exemplo”.

Os dados procuram combinar o nível de impacto com o máximo possível de confiabilidade dos dados. “Na área do Nordeste, oceanos e ecossistemas costeiros já aparecem com nível de impacto médio e nível de confiança médio”, contou. “As Américas, como um todo, são expostas, vulneráveis e já vêm sendo fortemente impactadas pelas mudanças climáticas. Já se consegue identificar perda de biodiversidade e degradação do solo. As economias têm muita dependência de recursos naturais. E só ver como a agricultura é importante no Brasil em termos de PIB”.

Diversas áreas do continente já sofrem com suas características próprias. “Em uma aparte da região amazônica, a redução da chuva local já abalou o ganho agricola daquela região”, lembrou. “No Centro-Oeste e Sudeste brasileiros, o aumento da temperatura faz desaparecer animais que bebem orvalho. Há uma tendência de que o processo de perda de água por evaporação seja maior que a entrada por precipitação”.

Ele contou também que o fogo é até parte da ecologia do cerrado, mas os incêndios têm aumentado, a ponto de o sistema não ter tempo para se adaptar ou se recuperar. “E o aumento do nível do mar e erosão costeira são elementos muito relevantes para o país, com o litoral que temos”, acrescentou.

Sociedade precisa tazer o debate para o cotidiano

 

Para ele, é necessário que os governos coloquem o assunto em suas pautas e busquem mais informação para as ações que sejam as ideais para as suas regiões. “Temos que considerar, dentro do seio da gestão pública, as mudanças climáticas como algo que são um fato e estão aí. Então temos que tomar atitudes com relação a isso”, afirmou. “O que faz numa situação como essa é olhar qual o diagnóstico e, dentro de um nível de confiança, se projetar o futuro. Quando estamos no universo acadêmico é um debate, quando trazemos para o universo da gestão publica é outro debate – embora as informações sejam as mesmas”.

Ele aponta duas ações importantes. “A mitigação, propriamente: limitar os elementos que determinam essa mudança da atmosfera. Emissões de gases do efeito estufa, por exemplo”, disse. “A outra é que, a partir da mudança climática estabelecida, a métrica de adaptação é muito importante. O país já considerou a adaptação como algo importante e já tem um plano nacional de adaptação. E olhando pra onde os riscos aos setores estratégicos vão caminhar a partir disso, a gente toma ações”.

Para contribuir com essas informações é que surgiu o AdaptaBrasil (https://adaptabrasil.mcti.gov.br), uma plataforma que busca apontar vulnerabilidades, exposição e capacidade de adaptação em setores estratégicos para cada município do país. O Inpe trabalha em conjunto com a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa e com o apoio central do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.

O site traz dados a respeito de água, alimentos, energia e saúde (malária, por enquanto). Esta semana passa a trazer dados também sobre portos. O gestor de cada município do país pode verificar os dados da sua cidade e tomar as decisões a respeito das mudanças climáticas com base neles. “Essa é ideia da plataforma, que a gente possa contribuir com o planejamento”.

E, para Ometto, esse é um elemento fundamental para que a sociedade lide com essas mudanças. “A reconfiguração da governança é simplesmente considerar dentro do planejamento as questões de mudanças climáticas como elementos centrais”, afirmou. “Tem que trazer pro diálogo o agravamento desses extremos. Pra a gente ter uma trajetória onde os ecossistemas e os sistemas sociais possam ser resilientes a essas mudanças climáticas. A gente não pode ter um situação de risco alto sem ter uma estratégia de adaptação. É uma questão de envolvimento, como a sociedade vai trazer isso como um elemento importante para o seu dia a dia”.

Renato Félix (Assessoria SEC&T)