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ARTIGO CIENTÍFICO - DA CIÊNCIA PARA VOCÊ
Resíduos de biomassa agrícola no desenvolvimento de filmes poliméricos sustentáveis e funcionais
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Autora: Ananda Karoline Camelo de Albuquerque (Doutoranda em Ciência e Engenharia de Materiais (PPG-CEMat) pela UFCG)
Autora correspondente: Renate Maria Ramos Wellen (Professora no Departamento de Engenharia de Materiais (DEMat) da UFPB)
A crise ambiental global, intensificada pela poluição plástica e pela gestão inadequada de resíduos sólidos, tem impulsionado a busca por soluções inovadoras e sustentáveis. Estudos indicam que, até 2050, a quantidade de plásticos nos oceanos poderá superar a de peixes, caso não sejam adotadas medidas urgentes para transformar a produção e o descarte desses materiais (MANGARAJ et al., 2019). Nesse contexto, a economia circular surge como uma abordagem fundamental, promovendo a reutilização de resíduos para a criação de novos produtos, reduzindo a dependência de recursos não renováveis e minimizando os impactos ambientais.
Entre os recursos subutilizados, mas com grande potencial de valorização estão os resíduos agrícolas, como cascas de batata e fibras de coco. Em 2023 a produção global desses produtos atingiu 383 milhões de toneladas de batata e 64,7 milhões de toneladas de coco, gerando uma quantidade significativa de subprodutos descartados que contribuem para a poluição ambiental (FAO, 2021). Esses resíduos, no entanto, possuem propriedades químicas e estruturais únicas que podem ser transformadas em materiais biodegradáveis, como filmes bioplásticos, oferecendo uma alternativa viável aos plásticos convencionais.
O amido, um dos biopolímeros mais estudados, destaca-se por sua biodegradabilidade, disponibilidade abundante e custo acessível. No entanto, suas limitações intrínsecas, como baixa resistência mecânica e alta sensibilidade à umidade, restringem sua aplicação em escala industrial. Para superar essas barreiras, técnicas de modificação química, como esterificação e copolimerização, têm sido amplamente investigadas, permitindo ajustar as propriedades do amido conforme as necessidades das aplicações (CHEN et al., 2015; HAQ et al., 2019).
Paralelamente, as nanofibrilas de celulose (CNF), extraídas de resíduos lignocelulósicos como as fibras de coco, emergem como reforços estruturais promissores para matrizes poliméricas. Essas nanoestruturas oferecem propriedades mecânicas excepcionais, alta razão de aspecto e biodegradabilidade, tornando-as ideais para aplicações sustentáveis (ROL et al., 2019). A incorporação de CNF em matrizes de amido tem resultado em biocompósitos com propriedades mecânicas e de barreira aprimoradas, ampliando seu potencial de uso em filmes poliméricos.
A combinação de amido modificado, CNF e agentes funcionais, como antioxidantes, abre caminho para o desenvolvimento de filmes biodegradáveis e multifuncionais. Esses materiais representam uma alternativa sustentável aos plásticos de origem petroquímica, contribuindo para a redução da poluição e para a valorização de resíduos agrícolas.
Diante desse cenário, este artigo tem como objetivo explorar a valorização de resíduos agrícolas, como cascas de batata e fibras de coco, na produção de filmes biodegradáveis. Por meio de técnicas de extração, modificação química e caracterização de materiais, busca-se desenvolver filmes funcionais que atendam às demandas da indústria de embalagens sustentáveis, promovendo uma transição para uma economia mais circular e ambientalmente responsável.
A primeira etapa do estudo consistiu na extração das matérias-primas essenciais para a formulação dos filmes biodegradáveis.
O amido foi extraído a partir de cascas de batata, utilizando um processo alcalino para remoção de impurezas e isolamento do biopolímero. O método escolhido garantiu um material com alta pureza e rendimento adequado para posterior modificação química.
As nanofibrilas foram obtidas a partir de fibras de coco por meio da combinação dos tratamentos alcalino e mecânico. Este processo desagregou a estrutura da celulose, resultando em nanofibrilas flexíveis e de alto aspecto estrutural, adequadas para reforço de filmes biodegradáveis.
Com os materiais extraídos, a pesquisa avançou para a modificação química do amido, visando melhorar suas propriedades para aplicação na produção de filmes biodegradáveis. O amido foi quimicamente modificado com ácidos carboxílicos, que promovem a formação de ligações éster na estrutura polimérica. Essa modificação tem o objetivo de reduzir a hidrofobicidade do amido e melhorar sua estabilidade térmica e mecânica.
Figura 1. Sequência experimental: extração do amido de batata e obtenção dos filmes biodegradáveis modificados. a) Cascas de batata, fonte do amido, são coletadas e preparadas para extração; b) a suspensão é submetida a processos como lavagem e centrifugação para separar o amido das fibras e impurezas; c) o amido extraído é seco e armazenado em forma de pó branco; d) o amido é modificado e processado para produzir filmes poliméricos biodegradáveis.
Investigação da Copolimerização com Monômeros Funcionais
Atualmente, estão sendo investigadas novas rotas de modificações químicas baseadas na copolimerização do amido com monômeros que possuem atividade antioxidante. O objetivo dessa modificação é conferir funcionalidades adicionais aos filmes, permitindo sua aplicação como embalagens ativas, capazes de prolongar a vida útil de produtos alimentícios ao retardar a oxidação e o crescimento microbiano.
Essa fase da pesquisa ainda está em andamento em parceria com pesquisadores do Instituto de Ciencia y Tecnología de Polímeros (ICTP-CSIC) em Madri, e novos ensaios serão realizados para avaliar a eficácia dessa estratégia.
Conclusão
A valorização de resíduos agrícolas, como cascas de batata e fibras de coco, demonstrou ser uma abordagem promissora para o desenvolvimento de filmes biodegradáveis. A extração eficiente do amido de batata e das nanofibrilas de celulose comprovou a viabilidade do uso dessas matérias-primas na formulação de biopolímeros sustentáveis.
Os primeiros testes de modificação química, por meio da esterificação com ácidos carboxílicos, indicaram que a funcionalização do amido pode aprimorar suas propriedades estruturais, tornando-o mais resistente e estável. Além disso, a investigação atual da copolimerização com monômeros antioxidantes abre novas possibilidades para o desenvolvimento de embalagens ativas, capazes de conferir maior proteção e prolongar a vida útil de produtos embalados.
Os próximos passos incluem a caracterização detalhada dos filmes modificados, com foco na análise de suas propriedades mecânicas, de barreira e funcionais. Esses estudos serão fundamentais para validar a aplicação do material como uma alternativa viável aos plásticos convencionais. Dessa forma, a pesquisa reforça a importância da inovação no uso de biomassa residual, promovendo soluções sustentáveis e de alto valor agregado para a substituição de polímeros petroquímicos. Vale ressaltar que esta pesquisa é financiada pela FAPESQ, a quem os pesquisadores agradecem.
Currículo resumido de Ananda Karoline Camelo de Albuquerque
Graduada em Engenharia de Materiais pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Materiais da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), atualmente desenvolve doutorado sanduíche no Instituto de Ciencia y Tecnología de Polímeros (ICTP-CSIC) em Madri - Espanha. Possui experiência em polímeros de base biológica, com ênfase nos seguintes temas: cinética de cristalização de polímeros, cinética de cura de polímeros termorrígidos de base biológica, cinética de degradação de termorrígidos e desenvolvimento de biocompósitos poliméricos. É pesquisadora vinculada ao Laboratório de Síntese e Caracterização de Polímeros (LSCP). Atua em pesquisas voltadas ao beneficiamento e extração de nanoestruturas de celulose a partir de fibras vegetais, bem como na síntese de polímeros biodegradáveis e biocompósitos.
Currículo resumido de Renate Maria Ramos Wellen
Pós-doutora em polímeros e bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq. Professora do Departamento de Engenharia de Materiais (DEMat) da UFPB, ministrando disciplinas de Ciência dos Materiais e Materiais Poliméricos. É docente permanente nos Programas de Pós-Graduação em Ciências e Engenharia de Materiais da UFPB e UFCG, e Programa de Pós-Graduação em Química da UFPB, orientando projetos de Mestrado, Doutorado e Pós-Doutorado.
Revisora de vários periódicos nacionais e internacionais, com projetos aprovados em nível nacional e internacional. Sua pesquisa concentra-se em termoplásticos e termorrígidos, abordando temas como cristalização e propriedades de polímeros, processos de cura e controle de propriedades, modificação de polímeros e compósitos poliméricos, além da cinética de cristalização, cura, degradação e biodegradação. Ultimamente tem direcionado esforços também para os tópicos: polímeros biológicos, sustentabilidade, economia circular.