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Radiotelescópio Bingo é ampliado e vai integrar o maior projeto de radioastronomia do planeta
Design de como o Bingo ficará instalado no município de Aguiar/ imagem: divulgação
A recente viagem à China da comitiva paraibana, liderada pelo governador João Azevêdo, com a presença do secretário de Estado da Ciência, Tecnologia, Inovação e Ensino Superior, Claudio Furtado, além de secretários de outras pastas, reitores, cientistas e diretores de instituições de ensino e pesquisa da Paraíba e de São Paulo, abriu caminhos para a ampliação do radiotelescópio Bingo (Baryon Acoustic Oscillations from Integrated Neutral Gas Observations), que estará sediado em Aguiar, na Paraíba.
O Bingo é um Projeto de colaboração internacional liderado por pesquisadores brasileiros, que vem apresentando impactos positivos em diversas áreas, e vai tornar o país reconhecido mundialmente na pesquisa científica. Após acordos firmados na viagem à China, o projeto foi ampliado e agora estará associado a trabalhos desenvolvidos por cientistas a partir do maior radiotelescópio do mundo, o Fast, e o TianLai, ambos chineses.
A nova fase do Bingo se chama Abdus, sigla para ‘Advanced Bingo Dark Universe Studies’ (“estudos avançados do universo escuro pelo Bingo”, em tradução literal). O projeto propõe uma extensão para o Bingo a partir do uso de tecnologias avançadas e da pesquisa científica, em conjunto com cientistas que trabalham nos radiotelescópios situados na China.
O coordenador geral do projeto para a construção do radiotelescópio Bingo, o físico Élcio Abdala, da Universidade de São Paulo (USP), declara que este será o maior esforço científico na área de radioastronomia do planeta.
O governo da Paraíba, por meio da Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia, Inovação e Ensino Superior (Secties)/ Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba (Fapesq-PB), aportou R$ 13 milhões no projeto, até o momento. O Bingo já obteve investimentos totais de cerca de R$ 35 milhões advindos também do Governo de São Paulo, por meio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo), do governo federal, por meio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI/FINEP) e da China.
Ganhando características de um projeto Brasil-China, o Bingo/Abdus firma a colaboração internacional e poderá trazer respostas astronômicas desconhecidas da humanidade, até o momento. Élcio Abdala esclarece estes e outros pontos nesta entrevista.
Entrevista:
Após a viagem à China acompanhando a comitiva paraibana, quais as novidades para o projeto Bingo?
ÉLCIO ABDALA - Estamos trabalhando num projeto comum entre três radiotelescópios. O Bingo será estendido para observação de uma área maior dos céus e com maior profundidade e maior acurácia. Terá uma ação conjunta entre o Bingo, o Fast, o maior radiotelescópio do mundo, que nós visitamos, ao Sul da China, e o TianLai - o chamado “Som Celestial” - um observatório com uma uma técnica diferente, situado próximo da Mongólia interna o Fast. E o Bingo ou Abdus. Assinamos documentos de cooperação e, com isso, fazemos parte do maior Observatório de radioastronomia do planeta.
Em que fase está a construção do Bingo?
A construção do Bingo está com partes avançadas, esperando apenas o resquício de verbas por meio do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) para que seja colocada a fundação. Provavelmente, nos primeiros meses do próximo ano serão colocados os espelhos, o arcabouço metálico e as cornetas, que já estão prontas, e a parte eletrônica. E aí vamos partir para a parte científica dura nesse caso de observação.
Como o senhor abreviaria a importância social do projeto Bingo/Abdus?
Às vezes, um problema que parece restrito a uma área científica e que para a população não faz sentido, acaba sendo algo que agrega profundamente os empreendimentos humanos. Como explicar esses 95% de universo que nós não conhecemos e que é muito, né? Seria essa energia escura, vinte vezes mais do que nós sabemos hoje. Então a gente olha para os céus e podemos dizer: nós temos 20 vezes mais do que tudo isso que vemos de estrelas, cometas, galáxias, gases etc., etc., e não sabemos o que é.
Os três telescópios vão estar também voltados para identificação das rajadas rápidas de rádio? (Eventos no cosmos que disparam enorme quantidade de energia).
Esta é a ideia, o que vai ser importante na cosmologia. Com o Abdus, que é o Bingo avançado, de alta resolução, nós vamos poder observar ao mesmo tempo que os outros telescópios, em uma zona comum e incomum dos três telescópios, então nós vamos poder dizer exatamente qual é a origem da rajada. Isso tem um impacto muito grande, da sua descrição astrofísica. Vamos entender melhor o que está formando esta quantidade tão grande de energia que sai pelo espaço e também as consequências cosmológicas. Poderemos determinar a estrutura do cosmos nesta região intermediária entre nós e a origem das rajadas.
Mais profundamente, quais as consequências científicas desses estudos?
Isso tem consequências nos parâmetros cosmológicos, nas equações de Einstein, na própria origem da matéria do universo. Esses estudos deverão não só confirmar a teoria de Einstein, mas também vai falar do outro lado da equação de Einstein que são a origem material da gravitação. Hoje o material da gravitação nos dá um interplay, uma comunicação entre as equações de Einstein, portanto a gravitação, e a teoria das partículas elementares. Esse é um dos maiores problemas científicos hoje, na explicação da ciência fundamental: o que é, do que é feita a energia escura.
E o que é o Abdus? Ou, o Bingo/Abdus?
O Abdus é uma extensão do Bingo, o Bingo avançado. Nós teremos uma técnica mais avançada em termos de eletrônica, em termos de antenas para suplementar as observações do Bingo. Atualmente, as observações do Bingo são através de cornetas muito grandes. O Abdus terá observatórios menores, mais potentes e mais precisos. É um projeto do qual somos co-proprietários, em colaboração com cientistas da Holanda.
Pode falar brevemente sobre essa tecnologia?
São pequenas antenas em fase, umas com as outras, chamadas “phased array”. São grades em fase usadas, nesse caso, para olhar o universo. Como elas estão em fase, têm uma informação mais detalhada, mas precisam também de uma eletrônica muito mais sofisticada que está sendo desenvolvida em colaboração com um laboratório da Holanda e outro da França. Como isso vai estar em justaposição com o Bingo atual, nós resolvemos dar um nome ao conjunto inteiro, ou seja, o Bingo mais os adicionais avançados de Abdus que seriam o “Advanced Bingo Dark Universe Studies”.
De que forma esses radiotelescópios se complementam?
Da Paraíba, o Bingo/Abdus está olhando numa determinada faixa para o céu, entre 15 ou 22 graus, próximo da linha do Equador. O Tianlai olha para outra área, a partir do Norte da China, próximo à Mongólia, e alcança uma faixa de cerca de 40 graus. E o Fast, ao Sudoeste da China, complementa com outra visão também com amplitude de 40 graus, mais ou menos, para os céus. Com o Bingo alta resolução nós abrimos a nossa observação que aumentará para mais 40 graus de cada lado; então nós abrimos para o Sul, onde não há a captação por nenhum equipamento, e vamos ao Norte numa região que se sobrepõe ao Fast e ao TianLai.
Então, os equipamentos vão captar regiões em comum e outras singulares?
Eles são suplementares no momento. Assim como TianLai, que vai olhar uma região em comum e outra singular. Os três ao mesmo tempo vão ser capazes de olhar quase todo o céu disponível e com uma região em comum, o que é importante na pesquisa.
Por que é importante ter uma região em comum?
Porque eles olham com acurácias e com profundidades diferentes. O Bingo/Abdus, principalmente o Abdus, vai ser capaz de dizer exatamente de onde veio a informação dos céus. O Fast vai ter mais precisão que vai olhar essas mesmas coisas com uma outra técnica. Então eles vão se suplementar. Com isso, nós vamos ter uma informação científica muito mais precisa e muito mais abrangente, com um grau e uma força de observação muito maiores.
E isso torna o projeto o maior esforço científico de observação por meio de radiotelescópio?
Assim que estivermos prontos será o maior do planeta. Só como Bingo/Abdus nós já estamos ao mesmo nível científico do SKA (“Square Kilometre Array)”, um projeto bilionário que tem 30 anos e ainda não foi pronto. Nós vamos terminar primeiro. Com oTianLai e o Fast nós esperamos ser os primeiros a obter e trabalhar informações astronômicas sem resposta na humanidade, até o momento.
De onde veio a inspiração para o nome “Abdus”?
Vem da atuação do professor Abdus Salam, uma pessoa que eu admirei muito na minha vida científica, ele já é falecido. Ele foi ganhador do prêmioparagens Nobel, fundou instituições de pesquisa e foi uma pessoa que trabalhou para divulgação da ciência em outras regiões. Ele era paquistanês, foi para a Inglaterra e fez a sua carreira ali, mas espargiu a ciência para aquilo que se chamava “Terceiro Mundo”. Ele formou gerações fora do eixo Europa-Estados Unidos.
Quais as instituições científicas parceiras no projeto?
A Universidade Jiao Tong é a parceira em Xangai, Universidade YangZhou - Universidade de Ciência e Tecnologia da China (em Hefei), 200 km ao norte de Xangai. A CETC 54, empresa chinesa que está construindo uma parte das cornetas (antenas) e na Holanda, a nova tecnologia está sendo trabalhada pela Astron. E no Brasil trabalhamos com cientistas da USP, INPE, UFCG e o IFPB está sendo agregado.
Como esse processo está impactando o crescimento das universidades?
Na USP estou tratando para termos um “espaço mental” um pouquinho maior (mais pesquisadores), estamos fazendo pedido de continuidade do projeto à Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa de SP). Temos um grupo muito bom de pesquisadores entre estudantes e professores; o grupo do INPE (Instituto Nacional de Pesquisa Espacial), um grupo enorme na Paraíba. Na Paraíba o impacto foi muito grande, o acolhimento ao projeto foi bastante maiúsculo. Há planos, pela USP e pela Paraíba, de enviar estudantes à Holanda para aprender a tecnologia e que retornem para ensinar. Virão os protótipos para o Brasil e teremos que ter especialistas aqui que saibam operar os equipamentos. São equipamentos que terão múltiplos usos, não só para o uso em radioastronomia.
Texto: Márcia Dementshuk