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Projetos incentivam presença feminina na ciência

publicado: 17/02/2021 16h02, última modificação: 17/02/2021 16h25
Levantamento da Fapesq mostra que, dos 204 projetos em andamento, 94 são coordenados por mulheres.
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Projeto Meninas na Física

Por Renato Félix e Márcia Dementshuk

 

Apenas 28% dos pesquisadores em ciência no mundo são mulheres. O dado é da Unesco, referente a 2018. É uma amostra de que a presença feminina na ciência precisa não apenas ser incentivada desde cedo, como um cenário natural onde a mulher pode desenvolver uma carreira, como também instituições e laboratórios também precisam aumentar sua receptividade com relação a essas profissionais. Estas são algumas das razões pelas quais a um Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência –instituído em 2015 pela Unesco para ser comemorado em 11 de fevereiro – é importante.

Os dados locais também mostram essa discrepância. O Censo Escolar produzido pelo Inep em 2019 mostra que 59,04% dos alunos concluintes no Ensino Superior brasileiro foram mulheres. Já um levantamento da Fundação de Apoio à Pesquisa da Paraíba (FapesqPB) mostra que, dos 204 projetos em andamento, 94 são coordenados por mulheres. Quase a metade, sim, mas, destes, apenas 8% são de ciências exatas e da terra, contra 29% em ciências humanas e 20% em ciências da saúde.

Mas existem iniciativas que buscam reverter esse quadro e mostrar sobretudo para as próprias meninas que a ciência também é para elas. Há, por exemplo, perfis em redes sociais que se dedicam a divulgar as contribuições históricas e atuais das mulheres das pesquisas científicas (como o Mulheres na Ciência BR, @CienciaMulheres, no Twitter). Mas há também projetos que se dedicam ao trabalho de formiguinha com estudantes. Um deles é o Parents in Science (https://www.parentinscience.com) que, na Paraíba, foi realizado no campus da UEPB em Araruna.

Alessandra Brandão, doutora em História e Filosofia da Ciência, é do Departamento de Física do campus e é membro do movimento que discute o papel da paternidade e maternidade na ciência. “É um fator invisibilizado bastante sério, como se os cientistas não tivessem vida pessoal, fossem máquinas trabalhando”, conta.

Ela lembra que sofreu preconceito por ser uma mãe de três filhos enquanto estudava na pós-graduação. “Como a Academia está despreparada para isso! A Academia não está pronta para entender que essa mulher – e esse homem, claro, também – tem uma vida pessoal. E essa vida pessoal inclui filhos. Um sistema patriarcal muito duro onde há professores homens – e mulheres também – com atitudes muito machistas. Eu tive que me desdobrar para mostrar que eu tinha o meu valor”.

Ela coordena o projeto Meninas na Física, que começou a ser executado em fevereiro de 2019, embora tenha sido atrapalhado pela pandemia ao longo de 2020. Desenvolvido em Araruna, Cacimba de Dentro e Tacima, envolveu 25 bolsistas financiados pelo CNPq, atingindo 50 estudantes de cinco escolas da região que participaram de atividades no campus, na escola e em praça pública. Essas atividades podiam ser sessões de cinema sobre mulheres na ciência, com discussões depois da exibição, palestra de pesquisadoras, oficinas de astronomia, visitas a laboratórios para entender a ciência acontecendo na prática.

“Mostrar exemplos positivos de mulheres que conseguiram romper esse lacre cultural e ter suas carreiras e dar uma grande contribuição dentro da ciência”, diz a professora. “Aproximar essas meninas do verdadeiro sentido da ciência. No imaginário coletivo, existe uma ideia do cientista como um homem branco extremamente inteligente. É esse o estereótipo. Precisamos mostrar para essas meninas que a ciência é diversa também, todas as cores e gêneros fazendo parte disso”.

Para ela, esse estereótipo começa a ser instalado cedo na cabeça das pessoas: as próprias famílias não incentivam que suas meninas procurem esse caminho. “a segregação horizontal começa no próprio seio familiar: não recebi nenhum tipo de incentivo para estar em lugares como a ciência, por exemplo”, recorda. “Como a maioria das meninas adolescentes da minha época, fomos incentivadas ao gerenciamento de um lar. Mas meu espírito rebelde não permitiu isso: sempre acreditei que pudesse estar em outros lugares, onde poderia sonhar”.

A professora Vanessa Dantas é uma das fundadoras do grupo IT Girls em 2015, no campus IV da UFPB. A ideia surgiu após uma movimentação das próprias alunas da área de computação, que organizaram um evento para se entrosarem, se conhecerem. “Elas se sentiam muito sozinhas na universidade”, conta. “Naquele momento, eu me lembrei de situações que eu tinha passado, eu percebi o quanto aquilo era desafiador para elas. E pensamos que não podíamos deixar aquilo isolado”.

No começo de 2016, o projeto já estava formatado. Há dificuldades em conseguir verbas oficiais do CNPq ou da própria universidade, mas o grupo consegue alguma verba com vendas de camisetas e outros ítens. Em 2017, Vanessa foi convidada para assumir a liderança do Women Techmakers em João Pessoa (https://www.womentechmakers.com), uma comunidade de mulheres que trabalham com a tecnologia da informação.

Para ela, o ingresso das mulheres no campo da computação ainda enfrenta a barreira de um estreótipo “nerd” que, nas últimas décadas, reafirmou que essa área é destinada a ser masculina. O IT Girls dá apoio e motivação a alunas como Isabelle Mello, do 4º período de Licenciatura em Ciências da Computação.

“Desde que eu decidi que ia fazer um curso nessa área, sabia que ia ser muito desafiador”, conta ela. “Passei a minha inteira escutando que as mulheres deviam estar em áreas mais ‘femininas’. Então, chegar na universidade e me deparar com um grupo como oi IT Girls, que ensinou a continuar... Eu me senti tão feliz porque, pela primeira vez, eu não fui questionada, eu fui apoiada. Me senti uma programadora, e não mais uma mulher que estava se metendo em uma área masculina”.

“Tragicamente, existem inúmeros relatos de casos de desrespeito, desvalorização do trabalho e assédio a mulheres no meio científico. E esse cenário vem mudando a passos curtos”, analisa Raquel Bandeira, estudante de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ela é vencedora da 2ª edição do Prêmio Carolina Bori Ciência & Mulher, que nesta edição premia a categoria “Meninas na Ciência”, pelo trabalho “Eficácia terapêutica de uma naftoquinona contra a leishmaniose”. “Observo que temos ganhado mais espaço. Nosso conhecimento e serviço têm sido mais reconhecidos. Isso é fruto da coragem e do esforço das nossas cientistas que nunca desistiram de lutar por reconhecimento e respeito”.

Solidão nos cursos é desafio a ser superado

Outro grupo que trabalha com o apoio às mulheres em cursos de ciências exatas é o Women In Engineering (WIE/IEEE - Mulheres na Engenharia). Além de ser um suporte, o grupo divulga a ciência entre crianças nas escolas. Iasmin Palma, do curso de Engenharia Eletrônica no Instituto Federal da Paraíba, é líder no grupo:

O que as escolas deveriam oferecer para os estudantes se interessarem por ciência?

Das vezes que levamos atividades sobre robótica para as escolas, percebemos a ausência de conhecimento sobre o assunto, isso leva a um desinteresse muito grande. Então o que percebe-se, às vezes, é a falta de profissionais que ajudem a abranger o conhecimento dos alunos. As escolas poderiam se aprofundar mais na área das ciências, principalmente tentando ofertar práticas envolvendo robótica, por exemplo, para incentivar os alunos.

Quais foram as dificuldades que você atravessou no decorrer do curso - relacionadas à condição de ser mulher?

A primeira dificuldade que senti foi o sentimento de inferioridade em relação aos meninos. A sociedade nos impõe essa ideia e a gente, infelizmente e indiretamente, acaba comprando esse julgamento por nunca termos o estímulo suficiente que os homens têm. A segunda dificuldade que senti foi em ser, muitas vezes, a única menina da turma. A gente sente falta de mulheres no nosso dia-a-dia, é diferente de lidar com homens. E esse sentimento nos faz até questionar se estar ali é o certo.

Como é possível superar essas dificuldades?

O primeiro passo é se engajar em grupos de apoio, como o Women In Engineering. Estar em um grupo de mulheres com as mesmas dificuldades que eu me fez enxergar que podemos superar qualquer preconceito e dificuldade, pois somos mais fortes do que imaginávamos. O segundo passo eu diria que é estar rodeada de pessoas que nos coloque para frente. É muito importante que a gente tenha familiares/amigos próximos nos apoiando.

Alguma de suas colegas conquistou algum prêmio ou um destaque durante o curso?

Mariana Barros participou da competição internacional da Huawei, a ICT Competition. Conquistou junto à sua equipe o primeiro lugar nas etapas nacional, latinoamericana e mundial na trilha de Cloud Computing. Também foi selecionada para participar do programa de intercâmbio da Huawei, “Seeds For The Future” e fazer uma excursão virtual pela galeria de 5G da Huawei na China.

Cientistas inspiradoras marcaram História

Ao longo da história, muitas mulheres deram contribuição fundamental à ciência. Muitas foram ocultas da notoriedade em favor de colegas homens. Outras, conseguiram, apenas de tudo se destacar. Eis algumas delas, figuras de inspiração para meninas e mulheres de hoje.

MARIE CURIE (1867-1934): Vencedora não de um, mas de dois prêmios Nobel (e em áreas diferentes: física, em 1903, e química, em 1911), a polonesa viveu numa época e país em que as instituições de ensino superior nem aceitavam mulheres. Acabou cursando química, física e matemática em Paris, a partir de 1891. Ela cunhou o termo radioatividade e estudou o fenômeno e descobriu, em 1898, os elementos polônio e rádio. Como ainda eram desconhecidos os perigos da radiação, ela não usava roupas protetoras e a contaminação acabou matando-a em 1934.

KATHERINE JOHNSON (1918-2020): O filme “Estrelas Além do Tempo” acabou popularizando a história de Katherine e outras matemáticas negras que eram os computadores da Nasa nos anos 1950, fazendo os cálculos para levar e trazer com segurança do espaço os primeiros astronautas. Essas matemáticas sofriam segregação dentro da agência espacial, obrigadas a trabalhar longe dos brancos e usar banheiros só para negros. Katherine superou tudo isso e era mais confiável que os nascentes computadores.

HEDY LAMARR (1914-2000): A austríaca foi uma das mulheres mais lindas de Hollywood, estrelando filmes como o épico “Sansão e Dalila” (1949). Mas ela também foi uma inventora, e criou um sistema de comunicações na II Guerra Mundial que tinha por objetivo disfarças as transmissões para evitar que fossem captadas pelos nazistas, mas serviu também como base para a tecnologia dos telefones celulares e transmissões wi-fi que temos hoje.