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Pesquisa sobre a caatinga apoiada pela Fapesq amplia conhecimento sobre o bioma

publicado: 30/10/2023 09h57, última modificação: 30/10/2023 10h01
Alvo de preconceitos, região recebe pesquisadores de universidades brasileiras e do exterior para saber mais sobre seu presente, passado e futuro
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Pesquisadores de universidades do Brasil e do exterior estão desde 2019 realizando expedições em regiões do semiárido nordestino para produzir conhecimento sobre a caatinga, um bioma por muitos anos visto preconceituosamente como pobre e estéril. O destino atual são as dunas do Rio São Francisco, no município baiano de Casa Nova. A pesquisa faz parte do Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (Pronex), financiado pelo Governo do Estado através da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba (Fapesq-PB), que é ligada à Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia, Inovação e Ensino Superior, e pelo Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e do edital Demanda Universal, também da Fapesq-PB.

“Essa região em que estamos coletando agora é de alto endemismo de caatinga”, conta Daniel Mesquita, doutor em Ecologia Animal pela Universidade de Brasília (UnB), professor do curso de Biologia da UFPB e coordenador do projeto. O endemismo é um termo utilizado na biologia para indicar que a distribuição de um conjunto de espécies se limita a uma região geográfica reduzida: só é possível encontrá-la de forma natural nesse determinado lugar.

“A imensa maioria dos endêmicos de caatinga ocorre nessas regiões de dunas do Rio São Francisco”, continua o professor. “Não existem dunas só aqui em Casa Nova, existem em outras localidades também: em Xique-Xique, Barra, por exemplo. Mas aqui é um dos lugares que tem muitas espécies que se encontram na lista de ameaçadas de extinção”.

No projeto “Passado, presente e futuro da caatinga: história, ecologia e conservação da herpetofauna frente às mudanças ambientais”, os pesquisadores capturam espécies para coletar material genético. A partir daí, tentam avaliar o risco de extinção das espécies. Herpetofauna é o nome dado a população de répteis e anfíbios de uma determinada área.

“Nós conseguimos reencontrar espécies endêmicas que se encontram ameaçadas e encontramos espécies que só são conhecidas pela localidade de onde foi descrita a espécie, por exemplo”, conta Mesquita.

A expedição já fez pesquisas de campo nos seguintes locais: a região de Serra Vermelha, em Redenção do Gurguéia, no Piauí;a Reserva Olho d’Água das Onças, em Picuí, na Paraíba; na Barra de Mamanguape, também na Paraíba; e no Parque Nacional de Boqueirão da Onça, em Campo Formoso, na Bahia. As dunas do São Francisco, em Casa Nova, são, por enquanto, a última parada com o financiamento via Fapesq-PB.

“Isso é uma pesquisa de longo prazo. Nós pretendemos continuar coletando esse tipo de informação, mas, com esses recursos, essa viagem deve ser a última, uma vez que o recurso já está acabando”, informa. “Mas nós vamos fazer isso na Amazônia: nós temos um projeto aprovado junto ao Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap) para fazer algo parecido lá. Já existem outras equipes que estão fazendo isso também”.

A pesquisa é muito importante por abordar um bioma que ainda carece de conhecimento. “A caatinga é um bioma exclusivo do Brasil. A Amazônia dividimos com vários outros países, o cerrado também. A caatinga é única”, explica o secretário de Estado da Ciência, Tecnologia, Inovação e Ensino Superior, Claudio Furtado. “E nós conhecemos muito pouco sobre a caatinga, sobre a sua potencialidade do ponto de vista biotecnológico ou a questão do manejo porque a catinga está dentro do semiárido mais populoso do mundo, que compreende o Nordeste e parte de Minas”.

A pesquisa busca conhecer melhor o passado e o presente da caatinga e antever o futuro. O presente vem com descobertas sobre o que ocorre atualmente no bioma. “Já descobrimos várias coisas aqui na caatinga”, conta Daniel Mesquita. “A primeira coisa que a gente acaba descobrindo são novas distribuições de espécies anteriormente desconhecidas. Não é muito raro encontrar isso: se deparar com espécies que não foram descritas ainda”.

O passado vem a partir do uso do material genético coletado. “Usamos material genético para entender o passado, como é que as mudanças no ambiente mudaram as distribuições das espécies hoje em dia, através de estudos de filogeografia, por exemplo”, explica. O futuro, combinando informações para avaliar os riscos de extinção das espécies frente às mudanças climáticas. “Coletamos dados ecofisiológicos, dados de tolerância, dados de temperatura preferencial, dados de temperatura crítica dos animais, para usar isso em modelagens para avaliar os riscos de extinção de espécies na caatinga”.

“Pesquisar a questão do ecossistema da caatinga como um todo é muito importante para que seja possível preservar e também usufruir da grande riqueza que tem esse bioma”, complementa o secretário Claudio Furtado. “Para aproveitar o que esses conhecimentos possam trazer de benefícios para a sociedade e também para sua preservação para o futuro”.

Pesquisa já apontou 93 espécies de lagarto

Da série de explorações já saíram alguns resultados como um estudo sobre os lagartos da caatinga, que apontou 93 espécies, 53% de endêmicos e 43% de distribuição restrita e que em 53% do bioma (ou 70% dos municípios) não há registros. “Esse estudo foi publicado pouco tempo atrás por professores que fazem parte do projeto. A maior parte deles está inclusive nessa campanha atual”, conta Mesquita.

Entre os pesquisadores que integram o projeto estão professores de diversas universidades brasileiras: como a Universidade de Brasília, como Guarino Rinaldi Colli, doutor em Biologia Organísmica pela Universidade da California, de Los Angeles (EUA), e Cecília Vieira, doutora em Ecologia dos Insetos pela Universidade de Utah, da cidade de Logan (EUA); da Universidade Federal de Sergipe, como Renato Gomes Faria; da Unicamp, como Thais Guedes; entre outros. “Além disso, temos diversos alunos de todos os níveis – entre graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado – participando da expedição”, conta Daniel Mesquita.

Professores do exterior também participam.“Nessa expedição, especificamente, não veio ninguém do exterior, mas em outras expedições vieram diversos pesquisadores do Museu de História Natural dos Estados Unidos, da Universidade do Arkansas, por exemplo, entre outros”, complementa. A pesquisa sobre a caatinga, assim, fala para o mundo, que precisa conhecer melhor o bioma tanto quanto os próprios brasileiros.

Renato Félix - Assessoria Secties