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Pesquisa pretende mapear o coronavírus em Campina através dos esgotos

publicado: 17/12/2020 18h34, última modificação: 17/12/2020 18h39
Pesquisa recebe apoio da Fapesq por meio do edital Covid
Bacias Campina Grande.jpg

 

Por Renato Félix

 

Com os números de infectados e de mortes voltando a subir diariamente, em um ambiente onde ainda estão incluídos os portadores assintomáticos e a consequente subnotificação, é cada vez mais necessário identificar quais os locais mais afetados pelo novo coronavírus. Um projeto de pesquisadores da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), em parceria com colegas da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e com o apoio da Companhia de Água e Esgotos da Paraíba (Cagepa), busca fazer essa identificação e monitoramento em Campina Grande, através do estudo da malha sanitária. Ou seja: o esgoto.

Os resíduos despejados nos vasos sanitários, que todos usamos, é revelador. “O material metabólico que aparece na rede é um retrato fiel das águas residuárias domésticas. Quem revela o que aparece numa rede são os nossos esgotos”, contou o professor José Tavares, que lidera a pesquisa “Mapeamento georeferencial e disseminação da covid-19 em águas residuárias de Campina Grande-PB”, a MGeoCov2-CG, e a comentou no Ciência & Ação (https://bit.ly/2W7lSgk), programa apresentado às quartas-feiras no canal da Fundação de Apoio à Pesquisa da Paraíba (FapesqPB).

Tavares é professor da UEPB, dando aulas de Engenharia Sanitária e Ambiental e no programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia Ambiental da universidade. É formado em Engenharia Química pela UFPB, e tem mestrado em Engenharia Civil pela UFPB e doutorado na Escola de Engenharia São Carlos, em São Paulo. Também participou do programa Railson de Oliveira Ramos, aluno de pós-doutorado que também participa da pesquisa. Eles conversaram com Luzia Medeiros, assessora técnica da Coordenação de Programa e Projetos da Fapesq.

O estudo dos esgotos para rastrear moléstias não é algo de hoje: data pelo menos de 1854, no Reino Unido. O médico John Snow conseguiu ali monitorar um devastador surto de cólera em Londres, descobriu como a transmissão da doença acontecia, e ajudou a evitar ainda mais mortes. Hoje, diversos países buscam ocorrência do sars cov-2 nas redes de esgoto, após pesquisadores holandeses detectarem o novo coronavírus no esgoto de Amsterdã.

Em Belo Horizonte, pesquisadores encontraram o vírus dessa maneira em maio. “Isso de fato estimulou a necessidade de compreender também como se comporta a sars cov-2 na Paraíba”, diz o professor. A pesquisa da UEPB, financiada através do edital Covid-19 da Fapesq, busca então aplicar esse rastreamento em Campina Grande, assim como o potencial de transmissão, a partir de pontos estratégicos selecionados a partir de um estudo da malha de esgotamento sanitário fornecida pela Cagepa. E daí fornecer indicadores epidemiológicos e georeferenciais que direcionem ações de combate à doença.

Foram selecionados, assim, quatro pontos de coleta. “Foi avaliada a confluência dos esgotos que pasam por cada um desses pontos, de modo que cada ponto de coleta desse possa representar um conjunto de regiões que se deseja monitorar”, explica Railson.  “São localidades nas quais a população está mais vulnerável do ponto de vista social, ambiental e econômico”, conta José Tavares. “Nessa vulnerabilidade teoricamente se tem maior possibilidades de contaminação”.

Os dados serão disponibilizados em tempo real em uma plataforma online, que deve estar funcionando no final de janeiro. “É uma ferramenta analítica que será útil não só na pandemia da covid-19, mas que poderá ser empregada em outros surtos de doenças, de outras endemias e pandemias de forma geral”, afirma Railson. “É um recurso muito amplo e que, com certeza, vai ser bem explorado futuramente”.

“A população em geral pode utilizar qualquer dispositivo capaz de acessar a internet”, informa Tavares, à reportagem, sobre a acessibilidade da plataforma. “A exemplo de notebooks, tablets, smartphones, iPhone, etc. É compatível com Android e IoS”.

Da coleta das amostras, o processo envolve uma filtração, a identificação da concentração da carga viral, a extração do RNA viral (um ácido nucleico, como o DNA). Depois disso, uma detecção quantitativa do RNA viral para, enfim, o sequenciamento de informações do genoma viral.

 

Coleta de amostras em quatro pontos de Campina

 

A Cagepa forneceu os dados do sistema de esgotamento sanitário de Campina Grande, com basicamente três bacias onde as coletas são feitas: a Leste, a Oeste e a do Glória. A Bacia Oeste, também chamada de Bodocongó, tem cerca de 160 mil ligações. Um ponto mais ao norte, foi escolhido para a amostragem, abrangendo localidades como a Vila dos Teimosos.

Outro ponto selecionado foi a Estação de Tratamento da Catingueira, que recebe esgoto tanto da Bacia de Bodocongó, quanto da Bacia Leste (conhecida como Depuradora), somando cerca de 124 mil ligações. A Bacia do Glória reúne cerca de 3 mil ligações. As 127.121 ligações somadas correspondem a 343.226 pessoas.

Os pesquisadores que realizam a coleta precisam estar equipados com EPIs para um trabalho manual que dura quatro horas. “O tempo de coleta é importante. Deveria ser o máximo possível – se pudesse ser 24 horas, seria mais interessante”, defende Tavares, mas alertando que a questão financeira impede tanto tempo de coleta. “Quatro horas de tempo de amostragem pode ser baixo, mas o pessoal que trabalha em Minas Gerais também está usando quatro horas, que é o mais razoável”.

“De qualquer forma será uma amostra composta, seja com tempo de quatro ou de 24 horas”, explica o professor. “Quem dispõe de recursos suficientes coloca um amostrador automático, que bombeia para um recipiente, a cada 20 minutos, 30ml de esgoto. Ao final do dia é coletado cerca de 12 litros, faz-se uma homogeneização e retira-se 2 litros para análise. Nosso caso é manual? o pesquisador coleta, a cada 20 minutos, 50ml e armazena em temperatura de 4ºC. Se a carga viral que chegar na rede for baixa, corre o risco, sim. Mas as nossas coletas ocorrem sistematicamente das 8h30 as 12h30, período de tempo de maior vazão na rede coletora de esgoto”.

Além da presença da carga viral no material coletado, a pesquisa também procura definir a viabilidade do vírus em função da temperatura, a eficiência da remoção em diferentes processos de tratamento, além de saber as condições mais precisas de coleta e preservação das amostras.

Os resultados permitem não apenas a identificação de regiões específicas atingidas pelo vírus, mas também fazer a relação entre a confirmação do vírus no esgoto e os casos confirmados. Diferenças podem apontar para os casos assintomáticos e para a subnotificação resultante. Também será possível fazer uma relação entre a concentração do vírus no esgoto e a vulnerabilidade das comunidades.

“É possível saber através do mapeamento georeferencial a localização do bairro e a rua que tem a população com surto da covid-19”, conta o professor. “Assim as autoridades de saúde podem propor quarentena para populações regionalizadas da cidade de Campina Grande, podendo ser gerenciada por bacia de esgotamento sanitário”.

 

Plataforma será acessível a todos

 

A estrutura de programação da plataforma é desenvolvida por uma startup e terá tanto um ambiente de acesso restrito para os pesquisadores a alimentarem com os dados, mas também um projeto gráfico que permita a navegação e fácil compreensão do usuário comum.

O nível de precisão informa até o número de residências e estabelecimentos de cada região monitorada. “Conforme novas demandas forem sendo suscitadas e novos pontos de coleta forem sendo estabelecidos, a plataforma vai permitir levantar um conjunto de coordenadas e identificar qual a região que aquele ponto de coleta compreende”, diz Railson.