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Pesquisa paraibana analisa o Programa Mais Médicos
Por Renato Félix
Criado em 2013, o Programa Mais Médicos era uma resposta do governo de Dilma Rousseff às manifestações que eclodiram no país aquele ano (e que geraram uma instabilidade política que permanece até hoje). Seu lançamento não foi tranquilo: muitos profissionais da medicina protestaram pela contratação de profissionais cubanos, que seriam designados para locais do país que tinham dificuldade em receber médicos brasileiros. A pesquisa “Avaliação do Impacto do Programa Mais Médicos no Brasil” faz um levantamento das qualidades e dos problemas do programa, que ainda está em atividade no Brasil, com parte da equipe na Universidade Federal da Paraíba.
“O resultado é bem interessante: mostra a redução da mortalidade por causas evitáveis em municípios que tinham o programa”, conta o professor Ricardo de Sousa Soares, que coordena a pesquisa na UFPB, médico de família e comunidade, doutor em Modelos de Decisão em Saúde. O trabalho da equipe da UFPB é realizado em colaboração com colegas da Universidade de Brasília e do Imperial College, de Londres, na Inglaterra. O Governo da Paraíba financia a pesquisa através de edital da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba (FapesqPB), com um recurso de R$ 149.854,00.
Um primeiro artigo foi publicado em setembro de 2020, na BMC Health Services Research (http://bit.ly/3cT1QOL – em inglês). É o primeiro de uma série. “Os demais estão em fase de submissão ou finalização”, explica Soares. “Temos três próximos – dois com recortes específicos da Paraíba”. Além das comparações estatísticas na coleta de dados, foram realizadas 56 entrevistas em 15 municípios paraibanos. As entrevistas foram registradas em vídeo e editadas em um documentário chamado “+ Médicos”, em parceria com Marcel Vieira, professor do Departamento de Comunicação da UFPB.
Dados positivos
A pesquisa aponta que o Mais Médicos foi associado a um aumento de médicos de atenção primária contratados 15,1 por 100 mil habitantes. No entanto, a substituição em larga escala dos médicos de atenção primária existentes resultaram em um aumento líquido de apenas 5,7 por 100 mil. Com esse efeito, os aumentos de profissionais foram menores nos municípios prioritários.
Ainda assim, o programa levou à redução de mortalidade de - 1,06 por 100 mil habitantes anualmente – com maiores benefícios para os municípios onde a densidade de médicos era baixa antes da implementação do programa.
“A própria pesquisa que a gente vem desenvolvendo junto à Fapesq demonstrou o quanto essa estratégia diminuiu a mortalidade infantil, ampliou o acesso das pessoas no Sistema Único de Saúde na atenção básica ao atendimento por médicos, trouxe muita satisfação da população”, afirma o professor Felipe Proenço de Oliveira, também médico de família e comunidade e doutor em Saúde Coletiva. Ele participou da criação do programa, no Ministério da Saúde, em 2013.
O programa levou profissionais de medicina com atendimento diário a municípios que só tinham o serviço em visitas esporádicas. “O programa em poucos meses estava conseguindo viabilizar mais de 8 mil médicos para mais de 2 mil municípios distantes, muitos que não conseguiam contar com um médico ao longo de todos os dias da semana”, lembra. “A gente contabilizou 700 municípios brasileiros nessa condição. Tinham médicos que iam esporadicamente visitar esses municípios. E com o Mais Médicos boa parte desses municípios num curto espaço de tempo já passaram a contar com esse profissional”.
Proenço foi cedido pela UFPB ao ministério em 2012 e gerenciou o Provab (Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica), que mobilizava profissionais (médicos e enfermeiros) brasileiros para que trabalhassem em áreas remotas, de mais difícil acesso.
“Mas, mesmo com uma série de iniciativas do ministério, continuava a ter um problema importante na escassez de profissionais na atenção básica”, conta. “Então a gente passou a fazer todo um estudo com relação à necessidade de profissionais para o Mais Médicos, pensar as estratégias que seriam necessárias para o programa”.
Quando o programa foi lançado, ele foi diretor do Departamento de Planejamento e Regulação da Provisão de Profissionais de Saúde (Depreps), que gerenciava o Mais Médicos.
Problemas atuais
No terceiro governo de sua existência, o programa sofreu mudanças, mas continua existindo e mantendo algumas de suas características originais.
“O Mais Médicos tem três eixos: de provimento emergencial de profissionais, da mudança na formação médica, e o da qualificação da melhoria das estruturas da unidades básicas de saúde”, explica Felipe Proenço. “Do ponto de vista do eixo de provimento, continuam sendo utilizados até hoje – por mais que o Governo Federal confunda na propaganda, dizendo que é o programa Médicos pelo Brasil – um modelo de edital muito parecido com o que elaboramos em 2013”.
No governo Temer, aconteceu uma mudança para permitir que médicos que já estavam no município com outro vínculo pudessem ingressar no Mais Médicos. “Dando uma ideia equivocada de que estavam preenchendo uma lacuna. Mas não seriam mais médicos, e, sim, os mesmos médicos que já estavam no município”, diz Proenço.
Quando Jair Bolsonaro foi eleito, em 2018, antes mesmo de tomar posse o político de extrema-direita causou um prejuízo ao programa ao questionar a qualidade dos profissionais cubanos, que mantinham o programa em boa parte dos municípios – especialmente em municípios de pequeno porte. “E questionou com argumentos que não se sustentavam”, lembra o professor. “E isso levou à saída desses profissionais, provocando uma lacuna presente até hoje no programa. Tem município que até hoje não tem suprida a falta de uma profissional após a saída do médico cubano”.
“Justamente com a pandemia do novo coronavírus, houve um edital para chamar médicos novamente para o programa, inclusive nas regiões metropolitanas”, conta Ricardo Soares. “Houve até a volta dos cubanos que ficaram no Brasil. Já era previsto em lei mas até então não havia uma ação de chamamento desses profissionais. Espera-se que haja uma renovação do contrato”.
Resistência corporativista
Quando o programa foi lançado em 2013, houve uma resistência muito grande das entidades médicas. “Que curiosamente se posicionaram muito naquele momento, mas hoje em dia não comentam a grave situação de pandemia que o Brasil está vivendo”, lembra Felipe Proenço. “Elas questionavam duas coisas. A situação da qualificação desses profissionais, já que a gente utilizou no Ministério da Saúde uma estratégia que é usada por diversos países que é o reconhecimento do exercício profissional em outro país, que passa a ser válido no Brasil também; e a capacidade desses profissionais se comunicarem, já que, no início, boa parte deles tinha uma língua nativa diferente do português”.
Ele conta que logo esses dois argumentos se mostraram fracos. “Não há relatos de erro médico, não há comprovação de que tenha tido alguma piora no atendimento. E a comunicação passa pela língua, mas também pelo interesse, pela dedicação, pela escuta que o profissional faz da pessoa que está sendo atendida”, afirma. “A gente chegou a fazer pesquisa com 10 mil pessoas atendidas em todos os estados e essas pessoas atestaram que não houve dificuldade de comunicação”.
Para ele, havia mais do que isso. “Houve resistência muito grande das entidades médicas também porque elas vislumbravam o quanto o programa queria mexer na formação médica”, diz. “A formação médica sempre foi algo muito restrito, de difícil acesso e concentrada em algumas regiões. Foi a primeira parte da lei que acabou sendo retirada do programa”.