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Pesquisa aponta riscos dos agrotóxicos para o desenvolvimento de animais aquáticos

publicado: 09/07/2023 15h30, última modificação: 08/08/2023 15h40
Pesquisadores da Paraíba, em colaboração com cientistas em São Paulo, analisam os efeitos de herbicidas nas águas de rio e do mar
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Equipe de pesquisadores da UFPB que realiza o estudo em parceria com colegas de São Paulo/ foto: Mateus de Medeiros

Desde 2009 até 2021, as vendas de agrotóxicos no Brasil aumentaram em 135%; ao longo desses anos o Brasil manteve o degrau mais alto do pódio mundial no uso destes venenos. Na Paraíba, em 2021, foram usadas 2.914 toneladas de agrotóxicos (Ibama/2022). Diante do debate nacional com a iminência da aprovação de lei que vai flexibilizar ainda mais a comercialização destes produtos, pesquisadores da Paraíba, em colaboração com cientistas em São Paulo, analisam os efeitos de herbicidas em animais nas águas de rio e do mar. E, sim, há devastação no sistema reprodutivo dos animais estudados até o momento: ouriços e bolachas da praia e na artemia, micro-crustáceo usado como ração de peixes.

Os pesquisadores atenderam à chamada “Oportunidade de fomento à pesquisa colaborativa Fapesq-PB/ Fapesp 2019”, lançada pela Fundação de Apoio à Pesquisa da Paraíba (Fapesq-PB), em parceria com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) o que viabilizou a montagem do grupo de pesquisa interestadual. Serão investidos recursos totais na ordem de R$ 4 milhões - cogitando um valor máximo por proposta de até R$ 200 mil.

O título do projeto dá pistas sobre o tema da pesquisa: “Do rio ao mar: perfil ecotoxicológico dos herbicidas 2,4-D, diuron, glifosato e suas misturas em organismos aquáticos”. Para esclarecer mais é preciso informar que esses três agrotóxicos estão entre os 10 mais vendidos em 2021 no Brasil e também na Paraíba, (Ibama/2022) e são pulverizados em plantações de soja, milho, cana-de-açúcar e outras culturas no mundo inteiro.

Partículas do spray atingem o ar, a planta, o solo, lençol freático, o rio, até o oceano. E os cientistas buscam entender os efeitos destes três produtos tóxicos na reprodução das  bolachas da praia, ouriços do mar e artemias. Esses animais, e principalmente os ouriços do mar, são importantes para o controle de populações de algas. Se ocorrer algum problema com a população de ouriços do mar, vai afetar a produção de algas e consequentemente a vida sustentável dos corais. Afeta o peixe e toda uma cadeia produtiva da pesca. O impacto econômico e social chega ao ser humano.

Equipe de pesquisadores da UFPB que realiza o estudo em parceria com colegas de São Paulo/ foto: Mateus de Medeiros

No Laboratório de Biologia Celular e do Desenvolvimento (Labid/UFPB), os pesquisadores expõem os gametas ao composto e acompanham o desenvolvimento do embrião. “Até agora vimos que o agrotóxico afeta os embriões e prejudica a reprodução desses organismos. Isso ocorre em concentrações próximas às toleradas pelos órgãos ambientais”, informa o coordenador do projeto na Paraíba, Luís Fernando Marques dos Santos, professor nos cursos de Ciências Biológicas e Farmácia na Universidade Federal da Paraíba.

Esta pesquisa apresenta o problema dos tóxicos aos organismos e traz à luz outras lacunas. Há grande deficiência de dados no Brasil. Os pesquisadores não têm conhecimento acerca das concentrações de agrotóxicos que chegam às encostas brasileiras nem como atingem as águas. Outra questão é que os compostos nunca são comercializados de forma isolada. 

“O composto mais tóxico encontrado foi o diuron. Nós fazemos a pesquisa com os compostos puros, mas eles não chegam assim na natureza. Eles são misturados a outros em fórmulas que as empresas não revelam, o que impossibilita a pesquisa. E nós vemos que os efeitos tóxicos são ocasionados pelo produto comercializado.um desdobramento da pesquisa seria começar a estudar o composto comercializado”, revela o professor.

Um comportamento entre os animais pesquisados surpreendeu: os cientistas inferiram que as concentrações que são tóxicas em organismos invertebrados (sem esqueleto) também são tóxicas em vertebrados na mesma faixa de concentração. Tanto em ostras, quanto em peixes, equinodermos e micro crustáceos. “Não esperávamos isso no estudo porque são organismos com fisiológicas muito diferentes. E o comportamento do agrotóxico em água doce e em água salgada também é muito diferente a solubilidade muda”, explicou Luís Fernando Marques.

Em São Paulo, o professor José Roberto Machado, pela USP, trabalha com os sistemas imunológicos do ouriço do mar contaminados pelo agrotóxico. Ele investiga os mecanismos do sistema de defesa dos organismos infectados pelo 2,4-D, pelo diuron e o glifosato.   

 

Legislação brasileira favorece uso de agrotóxicos

 

O 2,4-D, o diuron e o glifosato são usados no Brasil desde a década de 1940, especialmente o 2,4-D. Depois da 2ª Guerra Mundial, o consumo aumentou. Com a Revolução Industrial surgem novos compostos sintéticos e são liberados no ambiente. Atualmente, no Brasil, 795 produtos tóxicos formulados para proteger as lavouras estão em comercialização, segundo dados do Ibama. A mistura de vários herbicidas ficou conhecida como “agente laranja". Esse produto (que também continha querosene e óleo diesel) foi utilizado como desfolhante pelo exército dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã.

No Senado Federal está em tramitação conclusiva o Projeto de Lei n° 1459, de 2022, o “PL do Veneno”, como titulam os críticos. Caso seja votada sem alterações, a lei abrirá caminho para o uso de novos tipos de agrotóxicos. Um relatório da rede ambientalista Friends of the Earth Europe aponta que uma pessoa morre por intoxicação de agrotóxicos no Brasil a cada dois dias e cerca de 20% dessas vítimas são crianças e adolescentes.

Além das pessoas, as substâncias permanecem no ambiente. De acordo com a ficha toxicológica do 2,4-D, por exemplo, na maioria dos solos a meia-vida é de 4 a 7 dias, enquanto em solos ácidos a meia-vida pode ser de até 6 semanas. É tempo suficiente para chegar às águas.

A ecotoxicologia surge na década de 1970 como um desmembramento da toxicologia, com preocupação ambiental. “Quando eu penso num agrotóxico”, fala Luís Fernando Marques, eu penso num fármaco que, para ser colocado no mercado, precisa ter a segurança de não causar malefício. E a segurança tem um alto valor agregado para o fabricante. Mas faltam estudos acerca dos malefícios do agrotóxico ao ecossistema”.

A flexibilização que a legislação trará, caso aprovada, trará mais impedimentos à pesquisa, à começar pela infinidade de produtos que serão registrados.  O PL do Veneno propõe abolir o termo "agrotóxico", adotado pelo governo federal, e substituí-lo por "pesticida". O nome “agrotóxico” foi criado em 1977 pelo pesquisador e PhD em agronomia, Adilson Paschoal.  O Brasil é o único país que adotou uma nomenclatura própria combatendo ainda o significado de outra expressão, “defensivo agrícola”.

 

Projeto desperta estudantes para a carreira científica

 

A chamada “Oportunidade de fomento à pesquisa colaborativa Fapesq/ Fapesp 2019” possibilita a formação de recursos humanos e incentiva o direcionamento de estudantes para a carreira científica. Tainá Araújo, Samuel Freire, Catarina Serrão e Mikaelle Medeiros são do curso de Ciências Biológicas da Universidade Federal da Paraíba - bacharelado, licenciatura e pós-graduação - participam do projeto de pesquisa com agrotóxicos e despertaram o interesse pela pesquisa. 

Samuel Freire, concluindo a graduação, pretende seguir em pesquisa. A atuação como bolsista no projeto agregou na carreira científica e abriu horizontes. O mesmo ocorre com Tainá Araújo: “Eu sabia da importância de estar em aulas práticas de pesquisa, mas o interesse foi muito maior ao saber do risco do agrotóxico para o desenvolvimento dos animais. As pessoas não têm noção do risco que esses compostos fazem para o ambiente e quando a pessoa se aprofunda em uma pesquisa, realmente encontra a verdade”.

 

Texto: Márcia Dementshuk