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Em três décadas

Metade do Agreste já virou "sertão"

publicado: 01/04/2024 09h47, última modificação: 02/04/2024 10h00
Pesquisa estuda soluções para reverter a degradação e pobreza na Caatinga
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As terras subúmidas secas do Agreste brasileiro estão se tornando “sertão”. É o que mostra um estudo inédito publicado pelo pesquisador Humberto Barbosa, fundador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis). A pesquisa mostra resultados impactantes, que podem trazer uma reviravolta à formulação de políticas para a região e à própria metodologia para delimitação do Semiárido brasileiro. O artigo reclassifica o mapa das terras secas no Brasil, ou seja, o percentual de áreas consideradas subúmidas secas (agreste), semiáridas ou áridas.

De acordo com o estudo do Lapis, uma área total de 725 mil km2 do Semiárido brasileiro passou da condição de subúmida seca/úmida para semiárido, em apenas três décadas (1990-2022). Isso significa que 55% da região se tornou semiárida e passou a enfrentar, em condições normais, estiagem com duração de 5 a 6 meses.

Segundo Humberto Barbosa, responsável pelo estudo, “o desenvolvimento do clima árido ocorre em diferentes áreas da região semiárida brasileira, particularmente na parte central da região, nordeste e sudoeste da região. Abrange áreas da Bahia, Pernambuco, Piauí e Paraíba. Isso confirma um aumento exponencial da seca extrema na região”, conclui. 

Pesquisa desenvolvida na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) avalia a hipótese de que paisagens agrícolas que mantém cobertura natural e áreas agrícolas bem manejadas têm maior eficiência produtiva, garante os serviços ecossistêmicos essenciais, e pode ser o caminho para reverter uma trajetória de degradação e pobreza na Caatinga.

Helder AraújoDe acordo com o pesquisador Helder Araujo, professor dos programas de pós-graduação em Biodiversidade, Ciências Biológicas e Agronomia (UFPB), a capacidade produtiva em uma paisagem agrícola está associada a limites biofísicos que permitem a provisão de serviços ecossistêmicos, os quais estão sob ameaça devido ao uso inadequado da terra. “Mudanças drásticas na estrutura da vegetação causadas por limites ecológicos excedidos, seja por alterações ambientais ou antrópicas, afetam serviços ecossistêmicos essenciais para o desenvolvimento sustentável global. A conciliação da produção agrícola com os serviços ecossistêmicos, dos quais o próprio setor depende, é um dos pilares para agricultura moderna e sustentável”.

Para testar possibilidades de reverter essa trajetória, este projeto está avaliando o atual sistema de uso da terra em uma das áreas mais secas da Caatinga, os Cariris Velhos, bem como apoiando o estabelecimento de Paisagens Agrícolas Sustentáveis como caminhos alternativos para o desenvolvimento regional sustentável. A hipótese científica que norteia o projeto é que paisagens com 40% a 60% de cobertura natural e demais áreas manejadas com técnicas que conservam umidade no solo, diversificam e rotacionam culturas, favorecem simultaneamente a produção agrícola e o ecossistema.

“Para isso, estamos avaliando serviços ecossistêmicos relacionados à exportação de sedimentos, decomposição de matéria orgânica no solo, ciclagem de nutrientes, herbivoria e defesa contra herbívoros, polinização, sequestro e estoque de carbono e produção agropecuária, tanto em cultivos experimentais como dos próprios agricultores”, adiantou Helder. As atividades em campo estão sendo realizadas nos municípios de Cabaceiras, São João do Cariri e São José dos Cordeiros. Outras atividades que envolvem produtos e imagens de satélite abrangem todos os municípios do Cariri Paraibano.

Esse projeto iniciou em 2022 e vai até 2025 com a participação direta de 12 docentes, técnicos e vários estudantes, de graduação a doutorado, que já atuam em pesquisas integradas com foco em “Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos”. As diferentes experiências abrigam pesquisas e ações em ciências agrárias, ecologia teórica e aplicada, manejo e conservação de solos, geoprocessamento e sensoriamento remoto, ecologia de paisagens, planejamento regional e desenvolvimento sustentável. A maioria da equipe é vinculada à Universidade Federal da Paraíba, mas também existem parceiros consolidados e colaborações interinstitucionais com a Universidade Estadual da Paraíba - BRA, University of Miami - EUA e Universidad Nacional Autónoma de México - MEX. A pesquisa coordenada por Helder conta com apoio do Governo da Paraíba, por meio da Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia, Inovação e Ensino Superior (Secties) através do edital Universal executado pela Fundação de Apoio à Pesquisa da Paraíba (Fapesq), com investimento no valor de aproximadamente R$ 230 mil, sendo R$165 mil do CNPq e R$ 64 mil Fapesq.

Além das contribuições para apoiar políticas públicas e o desenvolvimento regional citadas anteriormente, esse projeto também contribuirá com a formação de recursos humanos da graduação ao doutorado; a produção de conhecimento científico através de publicações em revistas de alto impacto internacional; a divulgação dos resultados para discussão em congressos, simpósios, bem como para a sociedade em geral através do site (www.nexuscaatinga.com.br), redes sociais e reportagens.

Resultados de uma dissertação de mestrado e obtidos com análises que abrangem 17.815 propriedades rurais no Cariri Paraibano apontam que a situação atual de uso e cobertura da terra é responsável por: 1) perda média de solo de 8.74 toneladas ha/ano, através de erosão; 2) estoque médio de carbono de 68.72 toneladas ha/ano; 3) produção agropecuária média de 0.38 toneladas ha/ano. Ainda, os maiores valores de perda de solo e menores valores de estoque de carbono e produção agropecuária por hectare são encontrados nas pequenas propriedades (< 15ha), as quais correspondem à maioria das propriedades na região.

“Avaliamos um cenário para entender o que aconteceria se todas as propriedades seguissem o Código Florestal Brasileiro e mantivessem/restaurassem 20% de suas áreas, mas, infelizmente, as tendências dos efeitos da degradação e baixa produtividade continuariam. De forma contrária, essa tendência é revertida se 50% das áreas das propriedades, nos locais menos propícios para agricultura, forem restaurados e os demais 50% forem ocupados por práticas que envolvam diversidade e rotação de culturas adequadas à região semiárida, junto com a práticas de interação lavoura pecuária”, enfatizou Helder. As estimativas nesse cenário promovem uma redução da perda de solo de 388% (em média), um aumento de 158% de estoque de carbono e um aumento da produtividade agropecuária em 416%, com impactos positivos maiores nas pequenas propriedades. Ainda, resultados já publicados pela equipe demonstram que paisagens similares a esse último cenário são mais produtivas e resilientes em períodos extremos de estiagem, confirmando-as como estratégicas frente às mudanças climáticas.

Por Helda Suene (Ascom Fapesq)