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ARTIGO CIENTÍFICO - DA CIÊNCIA PARA VOCÊ

Mapeamento da covid-19 no estado da Paraíba: elementos para a espacialização e análise em ambiente SIG

publicado: 28/04/2025 09h00, última modificação: 25/04/2025 13h35
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Autor: Kleiton Wagner Alves da Silva Nogueira (pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Campina Grande

A pandemia de Covid-19 causada pelo vírus Sars-Cov-2 tem nos mostrado de forma dura o rumo que o modo de produção capitalista em que vivemos esta tomando. Nesse sentido, entender essa pandemia apenas por um viés biológico, mesmo que necessário, seria desconsiderar toda uma cadeia de conexões e múltiplas determinações associadas ao modo como vivemos e produzimos em sociedade. Essa consideração implica reconhecer que em certa medida, não fomos pegos de “surpresa” por essa pandemia, pelo contrário, os casos de patologias como a Gripe Espanhola; Ebola e H1N1 para colocarmos alguns exemplos, demonstram que nesses dois últimos séculos, ficamos mais vulneráveis às pandemias. Por esse ângulo de análise, o crescimento demográfico, a reorganização geopolítica mundial após a queda do muro de Berlin com o ascenso neoliberal, e a elevação de potências emergentes como é o caso da China, são alguns indícios que demonstram o grau de movimentação das relações sociais de produção numa escala planetária. O crescimento dos sistemas de engenharia, megacidades, aglomerações urbanas, assim como o desenvolvimento de novos fluxos de informação, capital e pessoas, redesenha o mundo sobre uma nova feição globalizadora, de face dialética e perversa, que em muitos casos, é excludente para países de economia dependente como o caso do Brasil.

No tocante a saúde global, quando a Organizações Mundial de Saúde (OMS) declarou a Covid-19 como uma pandemia em Março de 2020 com base nos primeiros indícios de contaminação, que se iniciara na China, passamos a assistir e ver nos telejornais uma série de gráficos e mapas demonstrando o número de casos e contaminação. Contudo, essas elaborações cartográficas não funcionam apenas como ilustrações dos movimentos e fenômenos concretos que ocorrem no espaço geográfico, pelo contrário, dão suporta para que pesquisadores de diversas áreas possam refletir sobre saídas e estratégias de enfrentamento da pandemia através do mapeamento de fluxos, incidência de casos, interpolação de variáveis, etc. Ou seja, a produção cartográfica, especificamente através dos Sistemas de Informações Geográficas (SIGs) nos ajuda a entender melhor os padrões de distribuição espacial de determinadas patologias a partir de cada território específico, com peculiaridades típicas de cada formação econômica-espacial. No Brasil, esse cenário não é diferente, a Geografia brasileira vem se esforçando por exemplo, através de uma rede de Grupos de Pesquisa em Geografia da Saúde2 na produção uma série de análises na geração de evidências científicas que auxiliam o poder público no processo de tomada de decisão.

Nesse interim, as análises socioespaciais vinculadas aos fenômenos da saúde nas mais variadas escalas geográficas vem utilizando às tecnologias dos SIGs, em especial a partir do desenvolvimento tecnológico dos últimos anos, acompanhado de certa acessibilidade a computadores pessoais e o avanços dos softwares de código livre, que tem possibilitado aos profissionais da Geografia a produção de análises e representações cartográficas do espaço geográfico. Dessa forma, na busca de compreendermos o uso do SIG na produção de conhecimento geográfico e tendo como panorama a pandemia de Covid-19, o presente artigo procura refletir sobre o uso do SIG tendo como base empírica o estudo da realidade do Estado da Paraíba. Mediante dados disponibilizados pelos boletins epidemiológicos da Secretaria Estadual de Saúde (SES/PB) procuramos mapear os casos e óbitos, de modo a entendermos melhor a forma como a pandemia vem se distribuindo espacialmente no território paraibano. Tendo em vista essas considerações, o artigo se subdivide em duas partes além dessa introdução e das considerações finais: a primeira referente a metodologia de trabalho, onde abordamos a metodologia utilizada para elaboração das representações cartográficas que produzimos através do software QGGIS, e a segunda acerca dos resultados e discussões onde procuramos realizar uma síntese descritiva-analítica sobre os elementos que nos chamaram atenção a partir do uso do SIG.

Resultados - Através da categorização, organização e sistematização dos dados coletados através dos boletins epidemiológicos consultados, como resultado obtivemos um total de nove mapas com a distribuição espacial da proliferação da Covid-19 no Estado. Até o dia 31 de Março de 2020 o Estado tinha registrado 17 casos da pandemia, distribuídos entre a Capital, João Pessoa, e as cidades de Campina Grande, localizada no Agreste, Patos e Sousa no sertão paraibano.

Cabe destacar que João Pessoa, Campina Grande e Patos possuem alta densidade demográfica segundo base de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, tendo como referência a população estimada para o ano de 2019, respectivamente: 809 mil habitantes; 409 mil; 107 mil e 64 mil. Contudo, é preciso destacar também que nos casos de João Pessoa e Campina Grande á um maior nível de concentração de pessoas, devido as atividades comerciais e aos fluxos financeiros, além de serem centros administrativos das respectivas regiões metropolitanas. Nesse sentido, de 31 de Março a 7 de Abril o Estado apresentou um relativo aumento do número de casos, sem o cômputo de óbitos. De um total de 17 casos, houve a elevação para 41 distribuídos entre as cidades de João Pessoa e Cabedelo, e nas cidades interioranas de Campina Grande, Patos, Sousa e Igaracy. Desde o início, nos parece curioso que a distribuição dos casos segue quase que um padrão pela BR-230, que corta o Estado de Leste a Oeste.

O padrão de distribuição, pelo menos até essa data segue um processo de interiorização pela BR-230, se intensificando no Agreste do Estado com a cidade de Campina Grande. Outro elemento a se destacar são os óbitos, nesse espaço de tempo o Estado contabilizou um total de 4 mortes, duas na cidade de João Pessoa, uma na cidade de Junco do Seridó e a outra na cidade de Patos, sertão do Estado. De acordo com o Boletim epidemiológico emitido no dia 14 de Abril, o Estado já contava com um total de 136 casos de Covid-19, distribuídos entre os seguintes municípios: João Pessoa, Bayeux, Campina Grande, Cabedelo, Junco do Seridó, Patos, Santa Rita, Serra Branca, Sapé, Sousa e Igaracy. Chama atenção que dentre esses casos, um total de 27 são de profissionais de saúde, variável que pode indicar que tais profissionais não estão tendo acesso a Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) conforme o recomendado pela Vigilância Sanitária e OMS. Além dessa elevação do número de casos, houve também o aumento do número de óbitos para um total de 14. Espacialmente, a proliferação para esse período de tempo destacado segue um padrão de saturação na região metropolitana de João Pessoa, sendo seguida através do processo de interiorização para o município de Campina Grande no Agreste e as cidades do Sertão, Patos e Sousa.

De 13 a 18 de Abril a situação se agrava, principalmente na região metropolitana de João Pessoa

O número de casos em João Pessoa sobe para 185 com um total de 20 óbitos. Em todo o Estado da Paraíba já se tem um total de 263 casos confirmados de Covid-19 e um total de 33 óbitos. A espacialização das informações também demonstra que, com o passar do tempo, municípios próximos aos grandes centros urbanos e áreas que formam regiões metropolitanas como o caso de João Pessoa e Campina Grande em específico, vão aglutinando um maior número de casos e óbitos. O fluxo principal de proliferação em nossa interpretação continua a se dar pela BR-230, além das vias adjacentes que liga os polos centrais das regiões metropolitanas às pequenas cidades, principalmente no interior do Estado da Paraíba. Chama atenção o grau de contaminação entre profissionais da saúde (45 casos) e a faixa etária da população infectada com concentração dos 30 aos 49 anos de idade, além da divisão por sexo: 130 casos do sexo feminino e os outros 133 do masculino. De 18 a 25 de Abril a tendência anterior se intensifica especialmente nos principais centros urbanos do Estado. A região metropolitana de João Pessoa possui o maior número de casos de Covid-19.

Com base nos dados da SES/PB para esse recorte temporal específico, a Paraíba já somava um total de 633 casos confirmados. O aumento no número de casos dos profissionais de saúde também parece ser um padrão, tendo em vista que 63 profissionais de saúde estavam contaminados nesse período (números acumulados). Ainda conforme informações dessa secretaria e com base na distribuição espacial dos casos, a primeira região de saúde do Estado concentra a maior parte dos municípios com índices elevados de contaminação, em seguida a cidade de Campina Grande com um total de 35 casos, e Patos e Sousa com 8 e 6 casos respectivamente. Ao seguirmos a distribuição espacial dos casos e dos óbitos vamos observar que o Estado da Paraíba passa a possuir três grandes núcleos de disseminação: área litorânea, especificamente João Pessoa e região metropolitana, Agreste paraibano com a cidade de Campina Grande, e o Sertão, especificamente com as cidades de Sousa e Patos.

Conclusões - A partir dos elementos empíricos que tivemos acesso nesse artigo, especificamente do número de óbitos e de casos confirmados de Covid-19 no Estado da Paraíba foi possível evidenciarmos pelo menos três tendências que em nossa interpretação merecem atenção para futuros estudos e análises socioespaciais: a primeira diz respeito ao processo de interiorização da pandemia, seguindo o fluxo da BR-230 que corta o Estado de Oeste à Leste, essa observação é sumária para que se possa realizar comparações com outros estados e regiões do Brasil na busca de entender de que forma uma pandemia dessa magnitude se manifesta a partir das redes técnico-científicas que existem no território. Um segundo apontamento seria a conformação de polos de disseminação no Estado, especificamente a região metropolitana de João Pessoa, a cidade de Campina Grande e as cidades de Patos e Sousa no Sertão. Esses indícios também podem ser comparados com outros polos existentes no território brasileiro na busca de decifrar se possuem conexões através de fluxos técnicos- científicos e em que medida tais informações podem ajudar na criação de protocolos epidemiológicos para a antecipação de ações e procedimentos. Uma terceira tendência seria o padrão de aumento de contaminação em profissionais de saúde, o Brasil segundo dados da OMS apresenta um dos principais índices de contaminação desses profissionais, portanto, em nossa interpretação se faz necessário dentro do âmbito da saúde pública investigações acerca desse fenômeno e quais as ações são necessárias para evitar tal padrão, tendo em vista que por estarem na linha de frente no combate à pandemia, são profissionais que necessitam do máximo de segurança para o desenvolvimento de suas habilidades e competências. No tocante ao uso do SIG, nossos resultados e análises indicam que sua utilização se faz necessária com a junção de elementos teóricos da Geografia, especificamente no tocante a abordagem do campo disciplinar da Geografia da Saúde para o caso específico dos fenômenos da saúde que ocorrem no espaço geográfico. Nesse sentido, apontamos que um campo de investigação que pode ser retomado com base nesse tema é a problematização acerca das potencialidades dos sistemas de Informações Geográficas no âmbito desse campo disciplinar, e como essas potencialidades podem ser melhor trabalhadas em cursos de nível superior para a formação, não apenas de geógrafos, mas de quadros profissionais ligados a saúde como epidemiologistas, médicos e sanitaristas.

Resumo - O Brasil foi um dos primeiros países da América Latina com casos de Covid-19, academicamente, desde o início de janeiro de 2020 observamos no Portal de Periódicos da Capes o crescimento de produções sobre esse tema. Contudo, percebemos a ausência de análises sobre o Estado da Paraíba, o que nos proporcionou a curiosidade de compreendermos como esse fenômeno vem de manifestando e de que forma o uso de um Sistema de Informações Geográficas poderia contribuir para essa reflexão. Nesse sentido, o presente artigo apresenta por objetivo realizar uma análise sobre o processo de disseminação e distribuição dos casos e óbitos de Covid-19 no Estado da Paraíba através de um Sistema de Informações Geográficas. Para o alcance desse objetivo realizamos a busca de boletins epidemiológicos na Secretaria Estadual de Saúde dentre o período de 31 de março até 16 de Maio de 2020. Esses dados foram sistematizados a partir dos casos e óbitos existentes no Estado através do software QGIS, no qual geramos um total de nove mapas temáticos. Nossos resultados indicam pelo menos três tendências da pandemia no Estado: a) distribuição espacial da Covid-19 na Paraíba segue o fluxo na BR-230; b) existência de três principais núcleos de disseminação: região metropolitana de João Pessoa; Campina Grande e as cidades de Sousa e Patos; c) padrão elevado de contaminação entre profissionais da saúde. Tais resultados nos apresenta outra demanda, a necessidade de entendermos como numa escala intraurbana a pandemia vem se manifestando, especialmente nos três principal polos de disseminação do Estado.

Confira aqui o artigo completo.

Currículo resumido de Kleiton Wagner Alves da Silva Nogueira

Doutorado e Mestrado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Campina Grande (PPGCS/UFCG); Licenciatura em Ciências Sociais pela Universidade Cruzeiro do Sul; Complementação Pedagógica em Ciências Sociais pela Faculdade de Educação Paulistana (FAEP); Licenciatura em Geografia pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG); Bacharelado em Administração pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Apresenta experiência na área da Saúde Pública, com ênfase na Gestão Pública em Saúde; Estado, Política e Saúde; Financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS); Geografia, Território e Saúde. Atua como pesquisador do Grupo de Estudo e Pesquisa Sobre Estado e Luta de Classes na América Latina (PRÁXIS) da UFCG; Saúde, Estado e Capitalismo Contemporâneo (SECC) da Universidade de São Paulo (USP) e do Grupo de Pesquisa em Geografia para Promoção da Saúde (PRÓ-SAÚDE GEO) da UFCG.