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ARTIGO CIENTÍFICO - DA CIÊNCIA PARA VOCÊ
Estudo pioneiro na Paraíba reforça a importância da vegetação em áreas urbanizadas para manutenção da diversidade funcional de morcegos insetívoros

Autoria: Jeanneson Sales (doutorando em Ciências Biológicas), sob orientação do Dr. Patrício Adriano da Rocha. Vinculados ao Programa de Pós-graduação em Ciências Biológicas (PPGCB/UFPB), pesquisadores do Laboratório de Mamíferos do Departamento de Sistemática e Ecologia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
A crescente urbanização transforma profundamente os ecossistemas naturais, afetando a biodiversidade e a distribuição de espécies. Apesar disso, algumas espécies, como os morcegos, têm demonstrado notável capacidade de adaptação a ambientes antropizados, graças à sua plasticidade ecológica e habilidade de dispersão por voo. Com a expansão urbana acelerada, compreender como a fauna silvestre responde às alterações no uso do solo é essencial para orientar estratégias de conservação. Com isso, este estudo investigou como essas espécies utilizam diferentes habitats dentro de uma paisagem urbanizada, avaliando sua atividade, riqueza e composição em fragmentos de Mata Atlântica e na matriz urbana da Região Metropolitana de João Pessoa (RMJP), no estado da Paraíba. Além disso, também se buscou identificar quais espécies são mais associadas a ambientes estritamente urbanos (edificações humanas) e quais dependem da vegetação (bosques, praças ou ruas arborizadas).
A pesquisa foi realizada na Região Metropolitana de João Pessoa (RMJP), abrangendo cinco fragmentos florestais: Mata do Buraquinho, Jardim Florestal da Cidade Verde, Parque Zoobotânico Arruda Câmara, Parque Natural de Rio Cuiá e Floresta Nacional da Restinga de Cabedelo. Na matriz urbana, foram selecionadas aleatoriamente 13 áreas sem vegetação significativa, classificadas em três categorias: bosques (0,3 a 0,5 ha), parques/ruas arborizadas (áreas verdes implantadas) e ambientes estritamente urbanos (sem vegetação). As coletas ocorreram entre novembro de 2019 e março de 2020. Foram amostrados 50 pontos nos fragmentos florestais (10 por área) e 39 na matriz urbana (13 por categoria), com três pontos por local dentro de um raio de 1 km. Utilizou-se bioacústica para registrar e identificar morcegos a partir de seus sons de ecolocalização, com gravadores ultrassônicos ativos das 16h30 às 22h30 — período de maior atividade dos insetívoros aéreos. O esforço total somou 6.408 minutos de gravação. As vocalizações foram analisadas em softwares especializados, com apoio de bibliografia e banco de dados regional. Ao todo, foram registradas 15 espécies de morcegos não-filotomídeos, com variações significativas de riqueza e atividade entre os fragmentos florestais e os diferentes tipos de ambiente urbano. A riqueza de espécies e atividade de voo foi maior nos fragmentos florestais (14 espécies) do que na matriz urbana (12), reforçando a importância desses ambientes na manutenção da biodiversidade de morcegos. Espécies como Myotis lavali, Saccopteryx leptura e Eptesicus brasiliensis mostraram maior ocorrência e atividade nos fragmentos florestais, indicando alta dependência de vegetação. Além disso, as espécies Molossus molossus, Molossus rufus, Eumops sp. e Cynomops planirostris apresentaram alta sinantropia, sendo registradas em todos os tipos de habitat, com atividade semelhante entre os ambientes. Essas espécies apresentam alta plasticidade ecológica e tolerância a ambientes urbanos, provavelmente favorecidas pela disponibilidade de abrigo em construções humanas e pela capacidade de voo em áreas abertas. Foi observado um empobrecimento na riqueza de espécies nos micro-habitats estritamente urbanos, onde apenas cinco espécies, todas da família Molossidae, foram documentadas nesses ambientes. Esse padrão indica que a perda de vegetação compromete diretamente a diversidade funcional de morcegos. No entanto, os bosques e as praças ou ruas arborizadas, apesar de estarem inseridos na matriz urbana, apresentaram riqueza mais próxima dos fragmentos florestais do que os micro-habitats estritamente urbanos, sendo essenciais para espécies mais sensíveis. Esse resultado reforça a importância das manchas de vegetação dentro de uma matriz urbana para a sobrevivência de algumas espécies. Por fim, este estudou permitiu documentar de forma inédita a espécie Promops nasutus, encontrada exclusivamente em ambiente urbano, sendo o primeiro registro da espécie para o estado da Paraíba, destacando a eficiência da bioacústica em detectar espécies de difícil captura.
Este estudo evidencia que áreas verdes urbanas, mesmo pequenas ou artificiais, desempenham papel fundamental na manutenção da diversidade funcional de morcegos insetívoros, importantes no controle de insetos. Os resultados revelam que a urbanização afeta essas espécies de forma espécie-específica: enquanto algumas se adaptam ao ambiente urbano, outras dependem diretamente da presença de vegetação. A pesquisa destaca ainda o uso eficiente da bioacústica como ferramenta não invasiva de monitoramento, contribuindo para avanços em gestão ambiental, planejamento urbano e políticas públicas. Trata-se do primeiro estudo na Paraíba a aplicar essa abordagem à quiropterofauna, reforçando a importância da conservação da vegetação em áreas urbanizadas.
Os próximos passos da pesquisa: expandir o estudo para outras regiões metropolitanas e biomas do Brasil, a fim de comparar padrões de sinantropia e dependência de vegetação entre diferentes contextos urbanos.
Benefícios para a População: Os morcegos insetívoros contribuem para o controle natural de pragas urbanas, como mosquitos e outros insetos, favorecendo o equilíbrio ecológico e a saúde pública. A pesquisa orienta políticas públicas para a conservação de áreas verdes, promovendo cidades mais sustentáveis e com maior qualidade ambiental.
Tempo da Pesquisa: O estudo foi iniciado em 2019 e concluído em 2021. No entanto, a redação e submissão do artigo ocorreram entre 2022 e 2023, totalizando cerca de quatro anos de desenvolvimento, incluindo a transição do mestrado para o doutorado.
Resumo do Currículo de Jeanneson Sales
Biólogo, com atuação iniciada em 2014 no Laboratório de Mamíferos da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Desde então, dedica-se à pesquisa com morcegos, especialmente em contextos de paisagens urbanizadas. Em seu Trabalho de Conclusão de Curso, realizado em 2018, investigou como a urbanização afeta a condição corporal de morcegos em fragmentos florestais. No mestrado em Ciências Biológicas (UFPB, 2019–2021), avaliou a importância de fragmentos de floresta e áreas verdes urbanas, como parques e ruas arborizadas, na manutenção de morcegos não-filostomídeos. Seus resultados evidenciaram que espaços vegetados são essenciais para a conservação de espécies sensíveis à urbanização. Desde 2018, atua também como responsável técnico na área de consultoria ambiental, coordenando estudos de fauna voltados ao licenciamento ambiental, manejo e monitoramento de mamíferos silvestres em empreendimentos diversos. Atualmente, está concluindo a Licenciatura Plena em Ciências Biológicas (UFPB), e, além disso, cursa o doutorado pelo Programa de Pós-graduação em Ciências Biológicas (Zoologia/UFPB), onde desenvolve o projeto intitulado “Predadores alados da Mata Atlântica: serviços ecossistêmicos prestados por morcegos insetívoros em uma paisagem fragmentada com matriz de cana-de-açúcar”.
Resumo do Currículo de Patrício Adriano da Rocha
Possui graduação em Ciências Biológicas, Mestrado em Ecologia e Conservação (Universidade Federal de Sergipe - UFS) e Doutorado em Ciências Biológicas (Zoologia) (Universidade Federal da Paraíba). Pós-Doutorado pela UFS (PDJ/CNPq). Atualmente é Pós-doutorando do Instituto Tecnológico Vale (ITV). Membro Permanente do Programa de Pós-graduação em Ciências Biológicas da UFPB (onde oriento Mestrado e Doutorado), Pesquisador associado ao Lab. de Mamíferos (UFPB) e Secretário Regional da Caatinga da Sociedade Brasileira de Estudos de Quiropteros, atuando principalmente nos seguintes temas: Diversidade, ecologia e conservação de mamíferos neotropicais, com ênfase em Ecologia e Bioacústica de Chiroptera.