Notícias

Desertificação e corais ameaçados por causa das mudanças climáticas

publicado: 28/02/2022 13h26, última modificação: 03/03/2022 13h29
Aumento global da temperatura já afeta ecossistemas na caatinga e no litoral da Paraíba
Corais esbranquiçados no Seixas - foto Christinne Eloy.jpeg

Coral esbranquiçado no Seixas. Foto: Christinne Eloy/ arquivo pessoal

O noticiário em todas as plataformas esteve atento nos últimos dias à tragédia que se abateu na cidade fluminense de Petrópolis: um temporal no qual desabou a quantidade de chuva prevista para o mês inteiro. Eventos extremos como esse (ou grandes secas, nevascas onde não costumava nevar, etc) são decorrência das mudanças climáticas pelas quais passa o planeta, como resultado da ação predatória do ser humano ao longo dos séculos. Essa realidade preocupante é visível em escala global e também nas proximidades: pesquisadores que estudam o meio ambiente na Paraíba, por exemplo, apontam como os ecossistemas locais já são afetados e o Governo do Estado também já toma ações para esse combate.

Mudanças climáticas (alterações a longo prazo no clima e na temperatura) podem acontecer por motivos naturais – o planeta já passou por elas, mais ou menos dramáticas. Mas a partir do século XIX é o homem a principal mola propulsora das variações atuais, como, por exemplo, a queima de combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás), que geram emissões de gases de efeito estufa. Desmatamento, por sua vez, libera dióxido de carbono. A ONU alerta que, no ritmo em que estamos, o aumento na temperatura global pode chegar a 4,4ºC no final do século.

O professor Bartolomeu Israel de Souza, do Departamento de Geociências da UFPB, desde 2017 recolhe e analisa com sua equipe dados de estações meteorológicas instaladas no Cariri paraibano relacionados a chuvas, temperatura e umidade do ar e dos solos. Ele antecipa que é um período curto para cravar estatísticas precisas sobre mudanças climáticas. “A Organização Mundial de Meteorologia (OMM) recomenda que tenhamos ao menos 30 anos de dados para levantar qualquer hipótese sobre esse tema”, informa. “Para avançarmos nessa questão, temos que investir mais em tecnologia, tanto do ponto de vista remoto quanto no que diz respeito aos aparelhos instalados em campo, para coleta direta das informações necessárias, para poder captar mais e melhor o que está acontecendo no ambiente”.

Mas ele também afirma que já para perceber sinais. “Se ainda não chegamos a nada conclusivo sobre mudanças climáticas no Cariri como um todo, os dados coletados nos indicam efeitos de mudanças microclimáticas relacionadas à diminuição histórica da cobertura vegetal”, aponta. Isso cria, segundo ele, situações de elevação da temperatura de superfície que, entre outras consequências, tornam difícil o restabelecimento da vegetação através de sementes de uma série de espécies da caatinga, afetam a fertilidade dos solos de diversas áreas na região, criando situações de desertificação.

O professor chama a atenção, também, para o fato de que a caatinga é um dos biomas mais ameaçados do Brasil. “Diversas pesquisas mostram que, mesmo os remanescentes de cobertura vegetal melhor preservados são, predominantemente, muito pequenos, além de continuamente afetados pelo desmatamento”, alerta. “Isso acarreta, além da perda da biodiversidade, um agravamento das condições hídricas, já que os solos diminuem a capacidade de armazenamento de água; aceleração dos processos erosivos, com efeitos diretos nas taxas de assoreamento dos açudes, diminuindo o volume de água passível de ser estocado; elevação das temperaturas locais, com efeitos diretos no que restou da cobertura vegetal e no bem estar de animais e pessoas; efeitos diretos na agropecuária, com a diminuição da produção nas áreas afetadas por processos de degradação”.

Temperatura embranquece corais

Se a situação não é a mais confortável no semiárido, ela também preocupa no oceano: o aquecimento está atingindo em cheio os recifes de coral do litoral paraibano. A bióloga, mergulhadora e educadora ambiental Karina Massei notou, em fevereiro de 2020, tinteiros (animais marinhos que soltam tinta) aparecendo mortos na praia. E, de uma semana para outra, os corais entraram em um processo de branqueamento massivo.

“Isso pode matar os corais. Os deixa sem a camada protetora das microalgas e eles não conseguem se alimentar”, explica. Ela entrou em contato com colegas, que pesquisaram no site da National Oceanic & Atmospheric Administration (NOAA), órgão do governo dos Estados Unidos. “A plataforma quantifica temperaturas e correntes. E a Paraíba ficou nos níveis 1 e 2, os mais críticos. Isso durou até junho”.

Ela conta que foi a primeira vez que viu como os animais estavam sofrendo com as mudanças climáticas, com espécies de peixes morrendo por causa da pressão sofrida com o aumento das temperaturas. “A gente sente os efeitos de modo geral – e podem ser drásticos”, alerta ela. “30% dos corais esbranquiçados voltaram a ter cor. O restante morreu ou foi coberto por algas”.

Governadores se unem em busca de investimento

O Governo do Estado vai começar a trabalhar mais diretamente no assunto começando por um inventário dos gases de efeito estufa. “A gente precisa ter um diagnóstico e conhecer o que é que o nosso estado gera de gases para, então, estabelecer qualquer politica pública que caminhe nesse sentido: de reduzir a emissão desses gases e, assim, contribuir oara a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas”, afirma Vanessa Fernandes, gerente executiva de Meio Ambiente da Secretaria de Estado da Infraestrutura, dos Recursos Hídricos e do Meio Ambiente (Seirhma).

O governador João Azevedo assumiu, em setembro passado, este compromisso no evento Global Citizen Live. A Paraíba foi um dos sete estados da federação a participar da iniciativa, que reuniu diversos shows ao redor do mundo e líderes que se comprometeram à defesa do clima e no combate à pobreza. “Ao final de 2023, um índice de 87% de toda a energia elétrica produzida na Paraíba virá do sol e dos ventos. Temos atualmente 16 áreas de conservação no Estado e assumimos o compromisso de criar mais uma até 2025, além de alcançar emissões líquidas zero até 2050”, comentou o governador, na ocasião.

“O Governo do Estado encara essa questão com muita seriedade”, afirma Vanessa. “O Governo precisa assumir o seu papel enquanto formulador e executor de políticas públicas, na busca pela melhoria da qualidade de vida do cidadão paraibano. Mas ciente que isso tudo está dentro de uma perspectiva integrada. As mudanças climáticas não acontecem só aqui, o que leva ao velho jargão: ‘pensar globalmente e agir localmente’”.

A Paraíba também integra o Consórcio Brasil Verde, lançado em novembro, durante a COP26, a conferência do clima realizada em Glasgow, Escócia. É mais uma maneira dos governadores, se articulando, escaparem da dependência de um governo federal nada interessado nas questões da ciência e buscarem investimentos por si próprios.

“Se não tivermos cuidado com o impacto local, vamos perder a função daquele ambiente ameaçado”, diz Karina. Ela já encampa um projeto dedicado à restauração ecológica dos recifes de corais, financiado pela Fundação de Apoio à Pesquisa da Paraíba (FapesqPB) e que conta com o envolvimento da comunidade. “Estamos tratando das licenças com a Sudema e a Capitania dos Portos”, conta. O projeto já deve estar funcionando na prática daqui a um mês.

“É imprescindível que tenhamos políticas públicas efetivas e contínuas voltadas à zona rural, alicerçadas, por exemplo, na divulgação e incentivo a sistemas agroflorestais, por apresentarem menor impacto ao ambiente, além da ampliação das unidades de conservação, acompanhada de ações fiscalizadoras que limitem os danos a essas terras, entre outras, como já está previsto em diversas leis”, acrescenta Bartolomeu. “O futuro da caatinga e dos milhões de pessoas que vivem nesse bioma vai depender das nossas decisões e ações de hoje, o que passa, necessariamente, por uma análise do quanto se quer investir nessa região, em termos de políticas públicas e de ciência, para que possamos encontrar um caminho de desenvolvimento mais harmonioso entre o que se convencionou chamar de sociedade e natureza”.

Por Renato Félix (Assessoria SEC&T)