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Caatinga e mata atlântica podem trocar soluções ambientais
Rio Piancó (arquivo) - Estudo reúne pesquisadores do NE e do SE para traçar riscos e oportunidades para os dois biomas
Caatinga e mata atlântica parecem representar opostos no senso comum. Um bioma marcando o interior do Nordeste, representando uma área semi-árida que muitas pessoas acham que tem pouco a oferecer. O outro no litoral brasileiro, símbolo de uma riqueza natural quase totalmente devastada pela ação do homem. Há diferenças, mas também há semelhanças, que motivam um estudo que reúne pesquisadores nordestinos e do Sudeste. E a coordenação do lado do Nordeste está na Paraíba, a cargo de Sandra Isay Saad, da Unidade Acadêmica de Ciências Atmosféricas, da Universidade Federal da Campina Grande. O título é: “Riscos e oportunidades regionais de mudanças do uso da terra e das mudanças climáticas aos serviços ecossistêmicos hídrico-climáticos: investigação para bacias na caatinga e na mata atlântica do Sudeste”.
“A pesquisa trata dos riscos e das oportunidades que as mudanças climáticas e a mudança da cobertura vegetal representam ao bem-estar humano”, conta a pesquisadora. “Nesse contexto tem, por exemplo, a questão dos serviços ecossistêmicos, como alimentos, regulação do clima, etc. O projeto inclui os riscos da perda desses serviços ecossistêmicos gerados pela mudança climática e pela depredação dos ecossistemas. Então a gente vai verificar também as oportunidades que a preservação ou a restauração vegetal podem prover”.
A pesquisa é feita em conjunto por pesquisadores da UFCG e da Universidade de São Paulo (USP), com colaboração da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e da Agência Executiva de Gestão das Águas do Estado da Paraíba (Aesa). “Eu coordeno o projeto aqui na Paraíba. Em São Paulo, quem coordena é o professor Humberto Rocha. E a gente também conta com a colaboração do professor Jonathan Mota, da UFRN, e o doutor Alexandre de Medeiros, da Aesa, além da equipe de alunos das três universidades”, enumera Sandra.
A parte paraibana do projeto tem financiamento do Governo da Paraíba, através da Fundação de Apoio à Pesquisa da Paraíba (FapesqPB). A parte paulista é financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). “O apoio da Fapesq é para a pesquisa desenvolvida na UFCG para os dois biomas. E, ao mesmo tempo para a formação de recursos humanos na Paraíba”, conta a pesquisadora. A fundação investiu R$ 194 mil no projeto.
“A pesquisa será feita através de medições – tal como de clima, vazão, umidade do solo – que vão servir para o entendimento do ciclo hidrológico”, explica ela. “E também vão servir para alimentar como dados de entrada de modelos, que a gente vai utilizar”. Modelos, aqui, são representações simplificadas e aproximadas de fenômenos, elaborados para ajudar na simulação ou entendimento destes fenômenos, usados na ciência da computação.
“A gente vai também usar modelagem climática e ambiental para avaliar o efeito da mudança climática e a mudança do uso da terra”, explica a pesquisadora. “E também vai refinar as previsões de mudança climática para as regiões de estudo”.
Então, a pesquisa inclui trabalho em campo e simulações computacionais. “A nossa componente do projeto é mais teórica, isto é: simulações computacionais. Contamos com trabalhos de campo de trabalhos desenvolvidos na caatinga”, diz. Ou seja, o estudo conta com dados colhidos por outras pesquisas parceiras e também pela Aesa.
“As medições serão feitas no local e vêm de outras fontes também”, explica. “Do projeto a gente tem as medidas que estão sendo feitas na bacia experimental, lá no Sudeste. Mas também tem medidas que são feitas em estações aqui da Aesa. E vai utilizar uma série de dados que estão disponíveis na internet”. Do lado nordestino, serão estudadas a bacias do Piancó-Piranhas-Açu e bacia do Rio São Francisco.
Agricultores incentivados a preservar
O estudo entre biomas tão particulares como a caatinga e a mata atlântica sugere uma abordagem comparativa. “Sim, na medida do que é possível comparar. Por exemplo, uma das bacias que a gente vai trabalhar é a Bacia de Posses, na mata atlântica do Sudeste”, esclarece Sandra Saad, referindo-se à bacia do Ribeirão das Posses, em Extrema, município de Minas Gerais. “Ela conta com mais dados climáticos e ambientais e tem um projeto já em andamento de recompensação por serviços ecossistêmicos, que é o Projeto Conservador das Águas”.
Esse projeto existe desde 2005 através de uma lei municipal de Extrema, incentivando uma adequação ambiental das propriedades rurais. “É um projeto que financia os proprietários rurais pela provisão de serviços ecossistêmicos”, conta a pesquisadora. “Os proprietários rurais vão reservar aquelas áreas que são as APPs, as áreas de preservação permanente. Ou para restauração florestal ou conservação florestal”.
Eles também receberam apoio financeiro para comprar e plantar as mudas, instalar as cercas e outas ações. “Então eles deixam uma área da propriedade para conservar ou restaurar as florestas para prover esses serviços ecossistêmicos”, diz. A recompensa ambiental advinda dessa ação vai agir, de acordo com ela, até longe de Extrema. “Por exemplo: a melhoria da qualidade da água que vai abastecer o Sistema Cantareira, que abastece a Grande São Paulo”.
Soluções de um bioma podem servir ao outro
As bacias da caatinga já vivem outra realidade. “Relacionadas ao clima, inclusive”, afirma Sandra. “Como a questão da desertificação, que o nosso projeto vai abordar também”. É só um exemplo de como caatinga e mata atlântica precisam lidar com desafios distintos, embora também haja o que os aproxime.
“Com certeza os desafios enfrentados pelos dois biomas são bem diferentes. Mas as soluções adotadas por um podem ser aproveitadas, com as devidas adaptações, pelo outro”, afirma a pesquisadora. “Recentemente o Sudeste vem enfrentando a seca – inclusive desde aquela seca de 2014, que causou muitos problemas. Já a convivência com a seca na caatinga já é uma realidade”.
A conservação da vegetação é uma outra questão na qual os dois biomas podem “conversar”: “A mata atlântica já tem uma série de projetos para o aumento dessa vegetação ou conservação da vegetação nativa”, diz a pesquisadora. “E aí resultados preliminares mostram que essa conservação da vegetação nativa pode, sim, ajudar na regulação hídrica em períodos mais secos. Já na caatinga, a gente tem a ameaça da desertificação, que é crescente provocada pelo desmatamento e pelas mudanças climáticas”.
A pandemia atrapalhou um pouco os trabalhos de campo do lado paulista da pesquisa. “Mas a pesquisa está avançando”, reforça Sandra. “A gente já tem algumas dissertações e TCCs que foram concluídos. Agora, a gente está em fase de preparação para publicação de artigos científicos em revistas especializadas”.
Renato Félix (Ascom Sect)