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Algodão orgânico já é produzido por 327 famílias paraibanas

publicado: 21/12/2020 11h08, última modificação: 21/12/2020 11h08
Safra deste ano deve chegar a 280 toneladas e projeto contribui para o desenvolvimento sócio-econômico de agricultores

Por Renato Félix (Ascom Sect)

 

Em 2015 eram cinco famílias em um município. Hoje são 327, em 60. Essa é a medida visível do crescimento da produção de algodão orgânico na Paraíba, que tem proporcionado desenvolvimento sócio-econômico para famílias do semi-árido. São os frutos de um projeto que fez renascer esse cultivo na Paraíba. Uma parceria entre a cooperativa Coopnatural, a empresa de fios Norfil e o Governo do Estado, por meio da Empresa Paraibana de Pesquisa, Extensão Rural e Regularização Fundiária (Empaer), tem garantido o funcionamento do fluxo de plantio, venda e pagamento aos agricultores. A safra deste ano ainda não foi totalmente colhida, mas a última atualização soma 270 toneladas de algodão em rama (com caroço), somando R$ 648 mil pagos aos plantadores – a expectativa é, ao final, passar das 280 toneladas.

O que por muito tempo aconteceu é que o mercado deixou de lado os produtos orgânicos em prol de lucros mais altos com o uso de agrotóxicos. Mas esse é um entendimento que vem mudando e a consciência do empresariado é fundamental nesse processo. O projeto só se tornou viável porque a Norfil garantiu que a produção dos agricultores seria efetivamente comprada.

“A parceria com a Norfil foi fundamental”, conta Maysa Motta Gadelha, que coordena o projeto. “Ariel Horovitz é um empresário jovem que, com o olhar no futuro da indústria têxtil e no futuro do planeta, resolveu investir para que a empresa dele vendesse um fio que fosse plantado no Brasil, na agricultura familiar, e que preservasse não só a saúde das pessoas, mas a saúde do planeta”.

“A Norfil compreendeu que precisava ser um parceiro”, complementa Vlaminck Saraiva, engenheiro agrônomo, extensionista da Empaer e atualmente assessor técnico da Fundação de Apoio à Pesquisa da Paraíba (FapesqPB), além de coordenar o projeto com Maysa. “E não só uma relação comercial com os agricultores, simplesmente comprar e vender. E a Norfil tem uma articulação muito importante com o elo final da cadeia produtiva. Que é o mundo da moda”.

Para Maysa, além da consciência social e ambiental, essa questão financeira já é mais relativizada. “O agrotóxico também é muito caro”, reflete. “Quando a gente vê essas aplicações de avião de agrotóxico naqueles grandes campos de algodão, aquilo tem um custo altíssimo – não só para o meio ambiente como também para o bolso do empresário que está ali fazendo a aplicação”.

Nesse ponto, a origem do produto e como ele é produzido acaba agregando um valor conceitual que está ficando cada vez mais requisitado. “A sociedade tem percebido que não dá mais para agredir tanto a natureza”, afirma Saraiva. “Até os sistemas convencionais de produção já estão mudando”.

Parceria permitiu o começo do projeto

O ponto de partida foi o encontro entre Maysa Motta Gadelha, já de longa estrada na labita do algodão colorido, e Ariel Horovitz, que demonstrou o interesse da Norfil em comprar essa produção que ainda nem existia, com Vlaminck Saraiva, então na direção técnica do que hoje é a Empaer. O passo seguinte foi levar o projeto aos agricultores e convencê-los a plantar o algodão de forma sustentável, apresentando algumas garantias com que a empresa concordou: preço justo acertado antecipadamente, garantia da compra, logística para o escoamento da produção e o processo de certificação. Além disso, a Empaer leva outras políticas públicas, como o crédito rural.

“A cultura do algodão faz parte do desenvolvimento do nosso estado. Falar de algodão – principalmente para os agricultores mais experientes – é falar de um passado bom, onde o agricultor viveu momentos muito prósperos”, diz Saraiva. “É uma lembrança muito positiva. Quando a gente levou para ele a possibilidade de voltar a trabalhar com algodão, não teve muitos obstáculos”.

“A Empaer está em todos os municípios do estado da Paraíba”, conta Maysa Gadelha. “E os técnicos são altamente comprometidos com a agricultura familiar. Eles percebem esses agricultores que seriam invisíveis se a gente estivesse trabalhando de modo superficial, não tão capilarizado. A Empaer percebe, conhece esses agricultores, e a gente começa a trabalhar em todos os recantos do estado da Paraíba”.

Chegar junto aos agricultores de todos os municípios paraibanos, sobretudo dos menores, além de resultar na expansão contínua do projeto, ajuda as cidades. “Esse ano, com essa colheita, foi dinheiro direto pra cidades como Coxixola, Olho d’Água... O fortalecimento dos pequenos municípios é importantíssimo também”, afirma Maysa.

Vlaminck Saraiva, hoje, integra os quadros da Fundação de Apoio à Pesquisa da Paraíba, que faz parte, com outras entidades, do Instituto Casaca de Couro, dedicado ao desenvolvimento do projeto do algodão orgânico na Paraíba – e do qual Maysa Gadelha é presidente, e Saraiva é vice. “A Fapesq, no seu planejamento estratégico, tem uma abordagem que é o desenvolvimento regional sustentável. E trabalha os arranjos produtivos locais e o algodão faz parte desse processo. A gente trabalha captando recursos para investimento na área de ciência e tecnologia”, explica.

Aproveitamento até o caroço

O plantio de uma nova safra é feita a partir de sementes selecionadas da safra anterior. “A partir do momento em que a gente faz o processamento, em que a gente separa a fibra do caroço, a gente tem tudo sinalizado em termo de áreas”, explica Maysa Gadelha. “Onde foram as áreas que tiveram o maior rendimento, a maior produtividade, que deu um algodão melhor e tudo o mais”.

Este ano, o algodão colhido no Vale do Piancó, sob a gerência da Empaer de Itaporanga, foi o produto que se saiu melhor. “Então nós separamos a semente daquela área, que será plantada em 2021, e o restante é tratado e é vendido como caroço”.

O caroço é vendido para alimentação animal, sendo uma proteína muito potente para a produção de leite. “Vendemos esse caroço para produtores de leite orgânico ligados a empresas como a Nestlé”, conta. “O ator Marcos Palmeira tem também na Bahia uma fazenda onde ele cria um gado verde, então estamos comercializando para lá também. A gente preferiu alimentar essa cadeia orgânica para fortalecê-la, para que mais pessoas trabalhem com ela no Brasil”.

Tinta para jeans é próximo passo

 A atuação do projeto foi detalhada por Maysa Gadelha e Vlaminck Saraiva no “Horizontes da Inovação”, programa de comunicação pública veiculado no canal da Fapesq no YouTube (https://bit.ly/2WpGZuC). A conversa com a jornalista Márcia Dementshuk continua disponível. A dupla adiantou até um projeto futuro sobre a produção do corante indigo, para tingimento de jeans.

“O indigo é o corante mais consumido no mundo e é quase totalmente importado da Índia e ele será a nossa próxima agregação de valor ao projeto do algodão orgânico”, disse Maysa, na live. “Esse corante é extraído de uma planta chamada anileira, nativa aqui da Paraíba. Está nos campos de algodão naturalmente”, completa Saraiva.

A pesquisa será desenvolvida com o Instituto Nacional do Semi-Árido (Insa). Se der certo, a fibra e o pigmento serão coletados juntos – e de maneira natural, atendendo a uma demanda que vai crescendo.

“Essa pandemia tem um fator ambiental seríssimo, né? O que causou esse descontrole foi uma das causas do início da pandemia do coronavírus. Então o mundo está tendo essa consciência de prestar mais atenção nas pessoas, no consumo e no planeta”, analisa Maysa Gadelha. “Se você consome um produto que faz mal às pessoas e ao meio ambiente, você não está sendo uma pessoa correta. Então todo esse conceito agora está mais forte e está fortalecendo também o produto e o empresário. Hoje todo o mercado está procurando o algodão orgânico. Principalmente o mercado nacional que busca o algodão orgânico brasileiro”.