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ARTIGO CIENTÍFICO - DA CIÊNCIA PARA VOCÊ

A ultradireita e os neopentecostais: um estudo de caso sobre a influência do QAnon em meio à pandemia do covid-19 no Brasil (2020-2022)

publicado: 29/10/2024 13h48, última modificação: 29/10/2024 14h11
A pesquisa busca contribuir como forma de conhecimento para a sociedade visualizar o perigo dos padrões de comportamento dos grupos de extrema-direita e proteger a cientificidade
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Autor: Pedro Solon (Curso de Relações Internacionais da UEPB)

Autora: Kyara Oliveira (Curso de Relações Internacionais da UEPB)

 

O presente artigo é norteado pelo problema de pesquisa de “Como as narrativas propagadas pelo grupo extremista QAnon influenciaram o combate à pandemia do covid-19 no Brasil (2020-2022)?”. Nessa perspectiva, o artigo tem como objetivo relacionar a propagação de narrativas problemáticas durante a pandemia de COVID-19 no Brasil com a atuação do grupo QAnon. Para alcançar os resultados satisfatórios no objetivo proposto, o trabalho busca: I) Identificar a ascensão da Ultradireita no Ocidente no século XXI, direcionando para o grupo extremista QAnon; II) Examinar como ocorreu a disseminação do grupo QAnon dos Estados Unidos para o Brasil em períodos de polarização política; III) Verificar o envolvimento do QAnon na propagação de teorias das conspirações durante a pandemia de COVID-19 no Brasil. Para assegurar o objetivo proposto, tem como classificação metodológica elaborar um objeto de pesquisa descritivo, em que o processo para a realização desta pesquisa foi de revisão bibliográfica e documental, na análise de materiais escritos publicados como: artigos, reportagens e documentos sobre a temática.

Somado ao supracitado, justifica-se a pertinência da pesquisa porque se busca contribuir como forma de conhecimento para a sociedade visualizar o perigo dos padrões de comportamento dos grupos de extrema-direita e proteger a cientificidade, combatendo as narrativas prejudiciais e clareando as questões relacionadas aos padrões de comportamento dos grupos de extrema-direita para a sociedade, reduzindo o fortalecimento destes no meio da política de qualquer país. Para isso, a hipótese do trabalho é que durante a pandemia do covid-19, o alinhamento do governo brasileiro com as lideranças evangélicas e a extrema-direita internacional - representada sobretudo pelo grupo QAnon - propagou narrativas vinculadas à metapolítica que foram nocivas à saúde pública do país.

A investigação do artigo foi desenvolvida em João Pessoa, mas abrange um caráter global por abordar temas de Relações Internacionais. A equipe conta com Kyara Horanna Nunes de Oliveira e Pedro Solon Assis Ramelli, ambos discentes vinculados à Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). O tempo de pesquisa é calculado em seis meses, durante o primeiro semestre de 2024.

O fenômeno da Ultradireita é conceituada por Mudde (2019; 2000) como movimentos radicais que possuem elementos potencialmente violentos, fundamentados pela busca de uma ordem social hierarquizada que estão vinculadas a, pelo menos, três destas pautas: anti-democracia, autoritarismo, nacionalismo, racismo e xenofobia. Nesse cenário, a extrema direita manifesta um interesse no crescimento nos meios de comunicação tradicionais, tornando-se um fenômeno recorrente no espectro político e midiático, com agendas mais agressivas normalizadas e respaldadas. Afunilando no caso brasileiro e estadunidense, o caráter extremista do movimento está intrinsecamente ligado ao bolsonarismo e ao trumpismo.

Bergmann e Butter (2020) enfatizam como as teorias das conspirações são moldadas pelo populismo que realça um conflito de interesses entre a elite (do mal) e o povo (do bem), validando, segundo Taggart (2019), no surgimento de políticos anti-sistemas que articulam a descredibilidade das autoridades, das instituições públicas e privadas e dos políticos tradicionais. Dessa forma, grupos extremistas - como o QAnon - se aproveitam desse conflito para se aprofundar na disseminação de fake news e arquitetar narrativas de um “plano secreto” de dominação, em que os envolvidos são pedófilos e defensores de Satanás, tornando-se uma questão político-religiosa (Demuru, 2021).

Desse modo, o QAnon se apropria de valores e princípios religiosos - como o evangelicalismo neopentecostal - para adentrar nesses meios tradicionais com uma idealização da imagem de um político evangélico, popular e que valoriza a cultura de seu país, como o ex-presidente dos EUA, Donald Trump (Cosentino, 2020; Dalsgaard, 2019). Com efeito, o pentecostalismo surgiu nos EUA e migrou para o Brasil em 1910, se propagando de forma massiva nas décadas de 50 e 60 através dos meios de comunicação, como rádio e televisão, e passando por modernizações nos anos 90 até chegar ao neopentecostalismo (Freston, 1999). Adentrando no contexto brasileiro, os seguidores do neopentecostalismo tiveram uma crescente exorbitante nas últimas três décadas com influência das redes sociais, fortalecendo, assim, a bancada evangélica no congresso (Cunha, 2019).

Foram muitas as teorias conspiratórias que nasceram a partir da eclosão da pandemia covid-19, das medidas que os Estados e a Organização Mundial da Saúde tomaram para contê-la e da produção, distribuição e aplicação de vacinas para a doença. Dentre as principais crenças inverídicas que dominaram aquele período estão a ideia de que a China Comunista produziu o coronavírus como uma arma biológica para causar o caos; as vacinas são artefatos de espionagem, um modo de instalar chips de monitoramento de atividades na população; e o vírus não é sequer é real - é, na verdade, uma fraude concebida pelos chineses para prender as pessoas em casa e afetar as economias globais, sobretudo a estadunidense (Gómez, 2023). O QAnon se aproveitou da crise sanitária global e impulsionou seu movimento, expandindo seu domínio para além do seu país de origem e contestando a ciência, as medidas governamentais de proteção à covid-19 e incentivando dinâmicas e protestos antivacina (Eisele, 2020).

Assim, Guerreiro e Almeida (2021) compreendem o negacionismo pandêmico como um projeto político comum que envolve o governo brasileiro, a extrema-direita internacional e as principais lideranças evangélicas do Brasil, que associam técnicas parecidas de negação da ciência, além de compartilharem um forte alinhamento. É, portanto, “uma linguagem de poder que indica conexões políticas, religiosas e empresariais que excedem o escopo da pandemia” (Guerreiro; Almeida, 2021, p. 19).

A partir da leitura, nota-se que houve o alinhamento organizado do governo brasileiro daquele período, da extrema-direita internacional e das principais lideranças evangélicas extremistas nacionais na promoção da supervalorização de uma pretensa liberdade religiosa em detrimento da saúde coletiva, concebendo políticas altamente perniciosas para o bem comum. Além disso, depreendemos que houve a tradução e a migração de teorias do QAnon dos Estados Unidos para o Brasil, refletidas sobretudo no negacionismo pandêmico difundido tanto pelos líderes oficiais dos Estados quanto por seguidores das teorias de conspiração, ainda que as crenças e as ações consumadas pelo grupo sejam, por vezes difusos, fator que dificulta a tipificação de sua abordagem, de modo a tornar as pesquisas em torno da temática substancialmente genéricas.

No entanto, é fato que o QAnon já se estabeleceu como uma das maiores teorias da conspiração do mundo, em especial por agregar tantas teorias menores em sua composição. Mesmo sem oferecer evidências concretas para suas distorções, o grupo foi capaz de, em poucos anos de atuação, gerar falácias acerca de um estado profundo e global de pedofilia e tráfico infantil, questionar a eficácia, a segurança e a importância das vacinas, o aquecimento global, o conflito racial, os atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos e, claro, a pandemia de Covid-19.

INFORMATIVO:

Qual é o foco do artigo?
O artigo tem como objetivo relacionar a propagação de narrativas perigosas e teorias da conspiração durante a pandemia de COVID-19 no Brasil com a atuação do grupo estadunidense de extrema-direita QAnon.

Principais pontos do artigo
Dentre os objetivos específicos, o trabalho busca: identificar a ascensão da Ultradireita no Ocidente no século XXI, direcionando para o grupo extremista QAnon; examinar como ocorreu a disseminação do grupo QAnon dos Estados Unidos para o Brasil em períodos de polarização política; verificar o envolvimento do QAnon na propagação de teorias das conspirações durante a pandemia de COVID-19 no Brasil. A hipótese do trabalho é que durante a pandemia do covid-19, o alinhamento do governo brasileiro com as lideranças evangélicas e a extrema-direita internacional - representada sobretudo pelo grupo QAnon - propagou narrativas vinculadas à metapolítica que foram prejudiciais à saúde pública do país.
A pesquisa estrutura-se em três seções, além da introdução e da conclusão. A primeira aborda a escalada da Ultradireita no Ocidente no século XXI, enquanto a segunda é voltada para a difusão do QAnon dos Estados Unidos para o Brasil, considerando suas conquistas políticas e sua migração em território brasileiro em um momento de fragilidade política e de ascensão da extrema-direita no país. Por fim, analisa-se o envolvimento do QAnon na propagação de teorias das conspirações durante a pandemia de COVID-19 e como influenciaram os movimentos conspiratórios em relação à saúde no Brasil.

Por que o nosso público deve se interessar pelo artigo?
Justifica-se a pertinência da pesquisa porque se busca contribuir como forma de conhecimento para a sociedade visualizar o problema dos padrões de comportamento dos grupos de
extrema-direita e priorizar a cientificidade, combatendo as narrativas nocivas e clareando as questões relacionadas aos padrões de comportamento dos grupos de extrema-direita para a
sociedade, reduzindo o fortalecimento destes no meio da política de qualquer país.

Conhecimentos sobre o tema
Os autores são estudantes do último período de Relações Internacionais na Universidade Estadual da Paraíba e acompanham temáticas de política externa e o estudo da Ultradireita a
partir do Grupo de Estudos e Pesquisas em Ultradireita e Relações Internacionais (GEPURI-UEPB), além de já contarem com a publicação do artigo “A Ultradireita e a Islamofobia Um
estudo de caso do partido espanhol Vox e sua posição anti-muçulmana”. O processo para a realização desta pesquisa será de revisão bibliográfica e documental, na análise de materiais
escritos publicados como: artigos, reportagens e documentos sobre a temática. Diante disso, será utilizada uma abordagem de caráter qualitativa e teórica do problema, na tentativa de
estabelecer paralelos entre a metapolítica propaga pelo QAnon e a sua nocividade no combate à pandemia do covid-19, as quais se demonstraram complementares como catalisadores de movimentos anti-científicos e sendo prejudiciais para a sociedade.

Resumo do currículo dos autores

PEDRO SOLON ASSIS RAMELLI
Graduando em Relações Internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba. Monitor Bolsista do Componente Curricular de Tópicos em Metodologia (Política Comparada), ex-Monitor Voluntário do Componente Curricular Economia Brasileira, e participante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Ultradireita e Relações Internacionais, do Grupo de Estudos e Pesquisa em
União Europeia e Regionalismo, do Grupo de Estudos sobre Teoria e Metodologia nas Relações Internacionais e do Grupo de Estudos em Relações Internacionais Computacionais. Discente nos projetos de extensão finalizados "Os Muros do Mundo Entre o real e o Simbólico" e "Cidadania Entre Muros Desafios para Contemporaneidade". Artigo publicado na Revista Eletrônica Estácio Recife e na Revista de Relações Exteriores, intitulado: "O último suspiro do Brasil no mercado atual de semicondutores: uma análise a partir da Teoria da Dependência sobre a manutenção e o desmonte da CEITEC durante o governo Bolsonaro (2019 -2022)". Artigo publicado na Revista de Iniciação Científica em Relações Internacionais, intitulado: "A Ultradireita e a Islamofobia: um estudo de caso do partido espanhol Vox e sua posição anti-muçulmana".

KYARA HORANNA NUNES DE OLIVEIRA
Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba. Tutora bolsista, monitora voluntária de Antropologia Cultural, ex-monitora voluntária de História da América Latina e de Introdução à Sociologia, ex-bolsista de extensão do projeto Humaniza, vinculado ao grupo de pesquisa e extensão RESISTA, ex-bolsista do Santander Top España Online (2023), ex-membro do Modelo Universitário de Diplomacia (MUNDI), ex-voluntária do Festival Internacional Plurisons (UFPB, 2022) e participante do grupo Grupo de Estudos e Pesquisa em União Europeia e Regionalismo. Artigo apresentado no Fórum Universitário Mercosul (FOMERCO, 2023), intitulado: “Brasil e Mercosul: Uma análise de fatores domésticos”.