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ARTIGO CIENTÍFICO - DA CIÊNCIA PARA VOCÊ
A Educação Popular na abordagem da violência escolar
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Autor: Ivonaldo Leite (Professor da UFPB/ Pós-doutor em Sociologia pela Facultad de Ciencias Sociales de la Universidad de la República (UDELAR)/Montevideo.)
Co-autora: Thaís Farias de Almeida (Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba (PPGE/UFPB)
A Educação Popular corresponde a um campo de saber teórico-prático que tem se desenvolvido mais amplamente na América Latina, tendo em atenção os setores populares e suas especificidades. Portanto, apresenta uma dimensão sociopolítica, ao ter em vista processos emancipatórios das classes populares, bem como uma dimensão pedagógica, ao buscar a problematização e a retroalimentação entre teoria e prática, e, ainda, uma dimensão metodológica, ao planejar ações, técnicas e procedimentos para alcançar seu objetivo de transformação social (Cano, 2012).
Novos desafios da sociedade contemporânea têm enriquecido as abordagens da Educação Popular. Tanto no âmbito da América Latina como em outros países, a Educação Popular vem sendo trabalhada em relação a novas temáticas, como, por exemplo, a problemática em torno das drogas (Leite, 2019), a violência em contextos de vulnerabilidade social (Gómez; Camargo, 2009; Peralta; Montagna, 2019) e no que se refere a espaços em situação de guerras (Joffre-Eichhorn, 2019).
Em relação à violência escolar, ferramentas metodológicas e estratégias pedagógicas inspiradas na Educação Popular podem ser utilizadas para abordar a temática com estudantes, professores e demais agentes escolares. Dessa forma, pode-se intervir no contexto da violência escolar em três direções: 1) identificação, compreensão e análise dos casos de violência na escola, a partir de dispositivos próprios da pesquisa qualitativa; 2) planejamento de ações de intervenção, como, por exemplo, ao identificar os tipos de violência escolar prevalecentes naquele âmbito, definir as ações que serão postas em prática; 3) avaliação das ações desenvolvidas por meio de registros a respeito das perspectivas dos participantes sobre o que foi realizado.
Devido à complexidade que envolve a temática da violência escolar, faz-se relevante ter em atenção um conceito trazido por Fals Borda (2009): o de convergências disciplinares, isto é, da necessidade do diálogo entre diferentes campos de conhecimento, para além das fronteiras das comunidades epistêmicas. Com isso, por um lado, aproximam-se os saberes das Ciências Humanas e das Ciências da Físico-naturais, e, por outro, os saberes de sujeitos da sociedade civil, tendo em atenção ainda a configuração prescritiva dos aparatos estatais.
Outro recurso metodológico que tem sido assimilado pela Educação Popular para, como forma de intervenção, tratar da violência escolar, é a técnica de trabalho com pequenos grupos. Nessa perspectiva, parte-se do pressuposto segundo o qual a busca por compreender o comportamento de uma pessoa deve ter em atenção a função da particular situação de forças em seu espaço vital, entendido este como uma totalidade dos fatos que condicionam o comportamento de um indivíduo em um determinado momento (Lewin, 1988; 1997). Assim, para elucidar por qual motivo, diante de um conjunto de eventos, um determinado comportamento ocorre, é necessário considerar a estrutura do espaço vital e também examiná-lo como campo de forças.
Disso decorre que é imprescindível trabalhar com pequenos grupos, como metodologia que procura compreender o universo de significantes e de significados dos seus agentes. Ou seja, a dinâmica de funcionamento dos pequenos grupos evidencia, com significativa confiabilidade, aspectos constituintes do modo de ser das pessoas que os integram. Nesse sentido, a escola pode realizar oficinas e reuniões em conjunto com estudantes e, também, com os seus familiares e responsáveis, a fim de abordar a problemática da violência, tornando o espaço escolar um lugar de congraçamento, mobilidade social e coesão para o contexto onde ele está situado.
Considerações finais
Diante da complexidade em torno do fenômeno da violência escolar, observamos a necessidade de pensar estratégias educativas visando o seu enfrentamento, considerando que as medidas geralmente desenvolvidas a seu respeito têm fracassado. Nesse sentido, a Educação Popular se apresenta como um campo teórico-prático que permite abordar a questão da violência nas escolas através de uma ótica pedagógica, participativa, comunicativa e reflexiva, sendo uma alternativa para orientar as ações preventivas e de pós-ocorrência dos casos de violência nas instituições educativas. Todavia, apontamos a necessidade de aprofundar o desenvolvimento de estudos relacionados ao tema, principalmente utilizando abordagens baseadas na Educação Popular. Com efeito, espera-se a prevenção na ocorrência de novos casos de violência no âmbito das relações envolvidas no contexto da escola.
SAIBA MAIS SOBRE A PESQUISA
O objetivo do artigo consiste em discutir abordagens e perspectivas da Educação Popular no tocante à violência no contexto escolar.
Diante da ineficácia de uma série de medidas que vêm sendo adotadas para o enfrentamento da violência escolar, como, por exemplo, o aumento do policiamento nas escolas, faz-se necessário abordar o fenômeno de uma forma distinta, buscando compreendê-lo em sua complexidade, principalmente no que se refere às escolas do meio popular, que cotidianamente enfrentam os desafios decorrentes do fato de se situarem em territórios com elevados níveis de vulnerabilidade social. Nesse sentido, entendemos que a Educação Popular pode ser utilizada tanto como base para reflexão analítica sobre a violência escolar, como dispositivo de mediação pedagógica para se desenvolver ações de prevenção e de redução de danos relativas aos casos de violência nas escolas, conforme as evidências fornecidas pela pesquisa científica.
No Brasil, a temática da violência escolar tem se destacado, sobretudo, em razão do aumento de casos de violência extrema nas escolas. Entre fevereiro de 2022 e outubro de 2023, foram verificadas 21 ocorrências de ataques violentos nas escolas brasileiras, ultrapassando a somatória dos 15 episódios ocorridos nos 20 anos anteriores (Vinha et al., 2023). São diversas as consequências da violência no contexto escolar. Especialmente nos contextos de maior vulnerabilidade e risco social, tal problemática merece uma atenção particular, sendo relevante repensar as medidas que têm sido tomadas para enfrentá-la, bem como incentivar discussões e reflexões em torno do assunto.
O artigo foi escrito a partir de pesquisas empíricas desenvolvidas no âmbito institucional da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), sob os auspícios de agências de fomento, como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A co-autora Thaís Farias de Almeida atualmente é aluna do curso de Doutorado em Educação da UFPB, cuja pesquisa está relacionada ao tema da violência escolar. O autor Ivonaldo Neres Leite é professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPB e coordena o projeto de pesquisa "Violência Escolar: uma pesquisa-ação sobre a ocorrência de bullying em escolas públicas da Paraíba".
Currículo Resumido de Ivonaldo Neres Leite
Tem formação em História e Sociologia, é Doutor pela Universidade do Porto/Portugal, com Pós-doutoramento em Sociologia pela Facultad de Ciencias Sociales de la Universidad de la República (UDELAR)/Montevideo. Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação, Sociedade e Culturas (GEPEDUSC/UFPB-CNPq). Professor na Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Currículo Resumido de: Thaís Farias de Almeida
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba (PPGE/UFPB), vinculada a Linha de Pesquisa de Educação Popular. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação, Sociedade e Culturas (GEPEDUSC/CNPq). Mestre em Educação pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Bacharela em Direito. Licenciada em Pedagogia.