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A ciência dialoga com as comunidades
“Num baile todo mundo dança com tudo mundo”. É assim que Diogo Lopes de Oliveira resume a experiência que está em curso, sendo desenvolvida em parceria da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), da qual ele é secretário regional na Paraíba, com a Central Única das Favelas (Cufa): o Baile de Ciência nas Favelas. São videoconferências semanais com cientistas convidados e líderes de comunidades das regiões de João Pessoa e Campina Grande, numa ação de aproximação da ciência com a população.
“A ideia é que fosse uma conversa horizontal. A ideia é que todo mundo aprenda”, conta o secretário, que propôs a ideia a Kalyne Lima, vice-presidente nacional da Cufa, e que coordena com ele o projeto. “Eu aprendo toda semana, porque sempre vem um especialista diferente, de uma área diferente. E os especialistas aprendem muito com esse líderes comunitários”, diz ele.
O evento começou a ser realizado em julho, e atualmente vem acontecendo nas noites de quinta-feira, às 20h. A princípio, ainda dirigido apenas aos líderes comunitários, pela plataforma Google Meet – pelo menos 20 participam toda semana. Mas as conferências ficam gravadas e os links são repassados a Kalyne, que pode semear o debate e o conhecimento transmitido entre os líderes, e estes com suas comunidades.
“O projeto surgiu da necessidade de formação dos nossos líderes e da intenção de Diogo de contribuir com esse processo durante a pandemia”, afirmou Kalyne Lima ao “Jornal da Ciência”, publicação da SBPC. A Cufa existe desde 1999, quando foi originalmente fundada na Cidade de Deus, no Rio de Janeiro. Hoje a organização não-governamental está presente em 500 cidades do Brasil e estende-se por 17 países. Na Paraíba, ela atua em cinco municípios das regiões metropolitanas de João Pessoa e Campina Grande.
Do primeiro encontro para cá, o Baile de Ciência na Favela já tratou da luta contra a desinformação nos tempos atuais, das relações entre religião e Estado, entre arte e ciência, direito à moradia, capacitismo, racismo estrutural, o legado de Paulo Freire. Aliás, o formato do evento tem tudo a ver com esse legado do educador, um dos pesquisadores brasileiros mais estudados do mundo.
“A maioria dos assuntos são escolhidos pelos líderes comunitários”, afirma Diogo Oliveira. “E tem uma coisa que precisa ser enaltecida: o interesse da galera por conhecimento. A galera rala o dia inteiro, chega em casa, come alguma coisa e das 8 às 10 da noite fica no debate”.
A ideia já vem reverberando além das divisas da Paraíba. “Estou experimentando o interesse de outras secretarias da SBPC, de outros estados, interessados em replicar a ideia”, revela Diogo. “A gente ainda está desbravando, tentando entender a repercussão que os bailes podem ter. Ver esse alcance. A gente ainda não parou para reavaliar o projeto”.
Para o secretário regional da SBPC, o projeto é desses em que todo mundo sai ganhando. “O especialista ganha, divulga seu objeto de pesquisa, e os líderes têm informação pra debater dentro de suas comunidades”, avalia. “O objetivo é estimular o pensamento crítico das pessoas. Acho que isso está relacionado com o exercício pleno da cidadania, o fortalecimento da democracia”.
Ciência hoje é uma posição política
A comunicação faz parte da formação de Diogo Oliveira, jornalista formado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com mestrado e doutorado em comunicação pública em Barcelona. Antes de voltar ao Brasil, ele foi professor visitante na Cornell University, nos Estados Unidos. Como jornalista científico, ele se dedica à divulgação da ciência – uma ocupação cada vez mais relevante em tempos onde a ciência é negada e atacada pelo Governo Federal, num momento crítico como o de uma pandemia.
Atualmente, ele é professor da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e também dá aulas na pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em João Pessoa. Na UFCG, ele edita a revista “Lynaldo”, de divulgação científica, cujo título é uma homenagem ao professor Lynaldo Cavalcanti, reitor da UFPB entre 1976 e 1978.
A experiência de viver com a família na cidade de Ithaca, no estado de Nova York, onde fica a respeitada universidade formada em 1865 e influente naquela comunidade, foi marcante – e não só porque sua filha de um ano e meio nasceu em terras estadunidenses. “A gente viu a potencia que tem uma universidade. Mesmo no auge da pandemia, os índices de contágio e mortes ali eram dos mais baixos”, conta.
A volta ao Brasil, no entanto, com essa firme oposição aos estudos científicos – como a defesa de remédios ineficazes e desconfianças infundadas a respeito das vacinas (que têm sido responsáveis por desabar o índice de casos e mortes no país) – o chocou. “A gente voltou assustado com a falta de percepção”, afirma.
No entanto, um ponto positivo foi ver in loco que a cultura da vacina firmada no Brasil por décadas de campanhas fez diferença nessa hora – ao contrário dos EUA, onde a resistência às vacinas tem feito estragos. “É interessante ver a cultura de vacina no Brasil”, opina. “O SUS, o Zé Gotinha, as campanhas históricas que a gente sempre teve. Isso tem que ser valorizado: Carlos Chagas, Oswaldo Cruz, que fizeram com que a gente vencesse epidemias, tenha erradicado doenças”.
Ser cientista no Brasil, hoje, é sobretudo se posicionar politicamente em defesa da área e da inteligência como norteadora de posturas. “Me perguntaram como é ser cientista e me posicionar politicamente”, comenta ele. “Eu disse que tenho uma filha de 1 ano e por causa dela eu tenho medos que não tinha de um ano pra cá. Por causa dela, não posso me omitir. Tenho que contribuir de alguma forma pra mudar esse cenário – que começa com os movimentos antivacina, mas isso tá relacionado à falta de pensamento crítico e a tentativas de corroer a democracia”.
Enxergando o mundo pelas lentes da ciência
O cenário de fake news contra a ciência tornou a divulgação científica, a comunicação com a população, mais importante que nunca – daí a importância de ações como os Bailes de Ciência nas Favelas.
“Essa é a primeira pandemia que a humanidade atravessa com a força das redes sociais. Então, o grande barato do Baile é mostrar como enxergar o mundo pelas lentes da ciência. É fazer com que as pessoas entendam como funciona a ciência. Que a ciência não é um produto pronto, acabado, é uma construção”, afirma Oliveira. “A gente tem controvérsias, fraudes, mas, dito isso, não tenho nenhuma dúvida de que a ciência é a melhor forma que a humanidade desenvolveu pra entender a si mesma e ao seu entorno”.
O último encontro, sobre Paulo Freire, estava intimamente ligado ao combate a essas desinformações. “Paulo Freire sofre uma perseguição pelo papel engajador, formador e inclusivo”, afirma. “Que perdura para além da importância dele como pesquisador reconhecido internacionalmente”.
Renato Félix (Assessoria da SEC&T)