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‘O avanço na ciência e tecnologia é um exercício coletivo’ - Entrevista com Francilene Garcia
Francilene Procópio Garcia tem uma grande trajetória na gestão de políticas públicas em ciência e tecnologia. É uma das pessoas de maior cacife para fazer uma análise crítica a respeito de como a Paraíba pode se fortalecer nessa área daqui para a frente. A professora – mestre em ciências da computação e doutora em engenharia elétrica, ambos pela UFPB – foi secretária executiva de Ciência e Tecnologia pelo estado da Paraíba entre 2011 e 2018, sendo presidente do Conselho Nacional de Secretários para Assuntos de Ciência Tecnologia e Inovação entre 2015 e 2018.
E atualmente está na secretaria da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), eleita este ano, integrando a nova diretoria que tomou posse no último dia 23, durante a reunião anual da entidade. E está coordenando o Parque Tecnológico Horizontes de Inovação. Nesta entrevista, ela fala sobre os desafios para o desenvolvimento da Paraíba sob o ponto de vista da ciência, tecnologia e inovação, do marco legal da área que vai tramitar na Assembleia Legislativa.
Qual a sua visão sobre a política de ciência e tecnologia no Brasil e na Paraíba?
Vou começar do contexto nacional para chegar no local. Acho que o Brasil tem padecido nos últimos anos pela ausência de uma política pública de estado, mesmo, com relação à ciência, tecnologia e inovação. Por mais que a gente tenha alguns cientistas renomados conectados internacionalmente, muitos deles desistiram de atuar em instituições brasileiras e foram atuar lá fora. Por mais que a gente tenha durante algum tempo investido no aumento da oferta da educação de nível superior de qualidade, a gente ainda não tem como contar com uma politica de estado.
E por que essa ausência?
As políticas são descontínuas, os recursos são descontinuados. Para um cientista, projetar uma carreira no país é quase que uma aventura impossível. Porque ele não consegue saber quais são os projetos para que ele vai ter apoio, quais são as instituições com que ele vai fazer parceria, quais são as entregas de que a sociedade vai usufruir, por falta de condições de um planejamento.
Fazer ciência em qualquer lugar do mundo leva tempo. E obviamente que as condições atuais no nosso país são completamente adversas. Quando a gente olha para alguns centros, como o estado de São Paulo, que tem a sorte de contar com uma fundação de amparo à pesquisa que tem praticamente o mesmo volume de recursos que é investido na soma das nossas agências federais, você caracteriza um estado de uma maneira extramente desigual em relação aos outros. Então além da ausência de política pública de estado, a gente tem as desigualdades, que são parte da nossa sociedade.
A Paraíba sofre com esse tipo de desigualdade?
Um estado pequeno como o nosso não tem recursos orçamentários públicos para, no patamar e na escala que nos teríamos condições, gerar desenvolvimento científico e tecnológico da maneira correta. Porque são várias prioridades: quando você monta a equação, a repartição é sempre menor para a área de ciência e tecnologia. Então, a gente lida com o problema da falta de reconhecimento da União, o problema do tamanho da nossa economia, e obviamente quem tem uma terceira questão aí que são as prioridades.
E já avançamos no combate a essas dificuldades?
Acho que um dos primeiros saltos foi a criação do marco legal. A Constituição Federal já colocava como obrigatoriedade investimentos em educação, ciência e tecnologia. Ela incorporou na emenda constitucional 85, de 2015, a obrigatoriedade dos investimentos em inovação – está tudo interligado.
A emenda deu um direcionamento para o marco legal que foi a questão da simplicidade: buscar a segurança jurídica sem muita burocracia. Isso foi importante: inclusive com relação à prestação de contas dos projetos de pesquisa. E aí veio a lei de 2016, que foi regulamentada em 2018 e que faz parte do nosso marco legal. Várias ramificações disso surgiram ao longo do tempo. Então a gente chega em 2021, em meio a um pandemia, que nos traz novos desafios, com um marco legal muito mais a favor de uma nação que quer ser independente e autônoma nos investimentos que pode fazer em tecnologia e inovação.
Mas esse é o marco legal federal, não é? O estadual precisa fazer adaptações?
Pela própria diversidade e pelo tamanho do país, existem regramentos que são gerais e existem regramentos que têm que espelhar realidades específicas. Por exemplo, aqui no Nordeste a gente tem uma escassez hídrica, que tem que ser tratada como uma das prioridades. A gente tem um conjunto de características, regionalmente falando, que precisam estar espelhadas nesse novo marco legal. E acho que a Paraíba, de maneira acertada, dá um novo passo. Era necessário que a Paraíba fizesse sua lei existir.
Quais são os principais avanços desse marco legal estadual?
Tem três coisas aí que acho fundamentais. Primeiro, organizar essa governança. Entender quem é quem no sistema local. Quais as missões e papeis de cada um, conectá-los melhor, criar um ambiente de discussão para que essas prioridades sejam melhor entendidas. Se eu tenho um bioma que pode ser útil, tenho que ter políticas orientadas pra ele. Se quero melhorar a formação dos nossos alunos, é preciso prepará-los desde cedo.
O segundo eixo é a captação de recursos. O Brasil é muito criticado pelo percentual do PIB que investe em ciência, tecnologia e inovação. A Paraíba não é diferente desse patamar em relação ao país. Esse é um ajuste que a própria PEC do marco legal vai tentar fazer. Mas uma das coisas que o marco legal traz de novo é uma aposta de que, para que a gente tenha menos descontinuidade na oferta de recursos e planos de voo de maior duração, a gente precisa ter uma equação entre público e privado melhor resolvida. Com uma governança bem estruturada e novos modelos de fomento, a engrenagem como um todo vai se fortalecer.
E o terceiro eixo?
Quando a Paraíba lança, junto com o marco legal, um conjunto de instrumentos de fomento que chega aí a 23, 24 milhões de reais, com recursos do tesouro estadual, para bolsas de iniciação científica, pós-graduação, auxílio à pesquisa, é um exemplo de que o estado está fazendo uma escolha. Inclusive atuando de maneira mais firme, na ausência do governo federal. O que eu posso dizer disso? Que a Paraíba vai ter algum diferencial em relação a estados que não estão tendo a mesma oportunidade de, nesse momento de crise, contar com a nossa Fapesq.
O terceiro eixo é esse, criar as estratégias de longo prazo e fazer planejamentos de longo prazo e ancorar isso em instituições, digamos assim, que têm menos mudanças transitórias, que é o caso de governos. Apostar em ecossistemas de inovação no estado da Paraíba é um caminho também importante. A gente já tem polos implantados já há mais tempo em cidades como Campina Grande. Apostar no Parque Tecnológico Horizontes de Inovação é necessário, no sentido até de olhar para o centro histórico de João Pessoa no sentido de requalificá-lo.
Mas o estado deve ser o único responsável nessa equação?
Essa discussão é coletiva. Esse é outro ponto importante. Não dá pra fazer ciência, tecnologia e inovação de maneira isolada. Nem a academia isoladamente, nem o governo, nem as empresas, nem ninguém. Seja em qualquer temática que você vá discutir, o engajamento da sociedade é múltiplo, diverso. A gente aprendeu muito no exercício do combate à pandemia. Não adianta o Estado ditar uma regra se a prefeitura não acompanhar, se o setor empresarial não concordar, e por aí vai. O exercício desse avanço é coletivo. E cabe a cada um identificar qual é sua missão e o seu papel.
É um trabalho complexo que precisará ter essa continuidade, senão tudo o que foi feito até agora se desmonta.
Cai por terra. Eu acho que a Paraíba tem feito uma trajetória boa de construção. O fruto dessas boas iniciativas vai ser muito importantes para o estado.
Por Márcia Dementshuk (Assessoria Sect/PB)